Quotidiano
Caracolar ou não caracolar, eis a questão!
Gostos não se discutem, diz-se. Os caracóis continuam a ser motivo de discórdia
em jantaradas e, embora agradem a muitos, não conseguem agradar a todos. Há
quem adore e quem odeie este petisco e são mesmo estas duas visões distintas
que se apresentam nos textos abaixo, nas opiniões da Carina, que dispensa bem
o petisco, e da Sophie, que não prescinde dele.
O Verão está aí à porta, tímido, é
certo, põe os dedinhos de fora e depois,
com medo, chama a chuva e adia-se
mais um pouco, e com ele vêm as tipicalidades na mesa. Como os caracóis.
Escargots, chamam-lhes os franceses, e
estampam-se assim os sacos de supermercado, para dar mais lustro à coisa.
No fundo, no fundo, francesices à parte,
caracóis são lesmas com casa ou, como
informa a wikipedia, moluscos gastrópodes terrestres de concha espiralada calcária.
“Hum, isto cozinhado
é que era!”
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Caracol, um animal indefeso e flácido lá dentro e muco, muito muco.
Questiono-me, quem no seu perfeito
juízo, olhou para aquilo e pensou
“Hum, isto cozinhado é que era!” e lá
tratou de saber se era ou não. Ou se,
por outro lado, foi um erro de percurso.
Um caracol que caiu numa sopa de pedra e, na ânsia esfomeada de alguém,
virou então petisco. Questão ainda
mais importante: quem foi o louco que,
ao ouvir, certamente com estranheza, a
história do primeiro provador, decidiu
dar-lhe o benefício da dúvida e conseguiu, ali mesmo, tornar um ser que estava bem contente da sua vida a comer
as folhas da alface no quintal, num petisco
tradicional em massa?
Não encontrei registos acerca do surgimento
deste prato, mas tenho a certeza que os gostos
em relação ao mesmo se dividem. Ao contrário de outras coisas típicas de Verão, como
os gelados e as bolas de Berlim, os caracóis
são odiados por uns e amados por outros. Só
não são amados o suficiente para viverem. Já
dizia Sophia de Mello Breyner Andresen que
as pessoas sensíveis não matam galinhas, mas
gostam de comer galinhas. Neste caso é o contrário, duvido que alguém tenha problemas em
matar caracóis, já comê-los...
A minha opinião nisto tudo? Não gosto de
caracóis. Ou pelo menos é isso que digo a mim
mesma, naquela certeza infantil de quem nunca
provou. A ideia de comê-los é repugnante. De
loucos.
Agora, se me dão licença, tenho ali sushi à
minha espera.
momento de prazer em que molhas as torradas
naquele molho, até me babo toda!
Vocês podem pensar que é super
nojento, peganhento, mole, castanho, e
andam no chão... É verdade, têm toda a razão!
Mas um caracol para que se coma não pode
ter ranho. Primeiro é lavado em água a ferver,
e segundo eles não são porcos quando estão
vivos, andam sempre em sítios limpos e mais
propriamente na erva.
Portanto, cada um tem a sua panca de verão.
Todos nós gostamos de comer um bom gelado,
mas há quem goste também de estar numa
esplanada todo esticadinho da vida a comer
um excelente prato de caracóis e a beber uma
imperial (ou umas minis que também serve.)
Aconselho toda a gente a experimentar
Enquanto a Carina vai para o sushi e volta, caracóis! Então, não é em vão que até existe o
eu mantenho-me nos caracóis.
creme da baba de Caracol! Bom para a pele,
Ora pois claro, depois de experimentar não bom para a papilas gustativas! É o rei do Verãol!
queremos outra coisa, não só pelo facto de
serem caracóis, mas pela forma como é feito,
aquele molho que dá um sabor tão delicioso
que é de cortar a respiração. Pensam que não?
Por isso é que 90% das tascas não sabem fazer
caracóis, porque não tem aquele truque que
quase ninguém sabe.
O molho é bastante importante para um
Carina Pereira e Sophie Tudela
prato de caracóis! E quando vem acompanhado
Nota: Por decisão dos autores este texto não se encontra
escrito segundo o novo acordo ortográfico.
com torradas? Oh meu Deus! E aquele pequeno
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