BLOGAZINE - Nº1 | Page 76

PARTICIPA Participa - A 1ª Vez A vida. A vida é feita de primeiras vezes – frase curta por vezes simples, por vezes complicada –;ao longo da nossa vida vai haver sempre coisas que nunca fizemos pela primeira vez e cuja curiosidade e vontade nos vai impelir a experimentar coisas novas… pela primeira vez. Mais uma aprendizagem, mais um conhecimento adquirido; por vezes é necessário experimentar a primeira vez para errar, para acertar, para reinventar, para lutar, para tentar, para insistir: para nunca desistir. Lembro-me da primeira vez que fiz um amigo: das coisas que partilhamos, dos sorrisos que demos, da confiança e cumplicidade que criamos. Dos olhares que trocamos, daquele abraço que nunca me esqueci, das palavras que dissemos. - Vamos ser amigos para sempre, não vamos? – Perguntei. - Claro que sim! – Disseste. - Nunca, jamais, nos vamos separar, pois não? – Insisti. - Connosco, isso nunca vai acontecer. E não aconteceu e estamos juntos. Lembro-me da primeira vez que descobri o amor; foi tão bom que nem sei explicar. As borboletas na barriga, as palpitações, as mãos a tremer, as insónias: pensava tanto em ti que nem conseguia adormecer com medo que o tempo voasse e te fosse esquecer. No dia seguinte, madruguei; vesti-me a preceito (linda como sabia que irias gostar) e fui ao teu encontro; foi amor à primeira vista – amor louco, desassossegado, temperado, persistente –, olhamo-nos e deixei-me perder, sorriste-me para me derreter, abraçaste-me e beijaste-me e no teu regaço senti-me pequena. Sussurraste-me ao ouvido as palavras que sempre procurei e desejei ouvir e senti-me amada e desejada. Esta foi a primeira vez, lado a lado com dois sentimentos tão fortes e semelhantes. Mais depois há outras primeiras vezes: a primeira vez que escrevi um texto, numa noite de Inverno, sentada no escritório, em frente ao computador, de chávena de chá na mão, que me encontrei com as palavras certas, com os sentimentos perfeitos, com o que queria dizer mas tinha medo de fazer. Que orgulho chegar ao fim e ficar feliz com o que podia ler-se na tela. A primeira vez que viajei pelo mundo fora, sozinha, em busca da minha essência, do meu lugar, da minha independência de me reencontrar. A primeira vez que fui a um concerto de música contigo ao meu lado: juntos, embalados pela noite, pelos aromas, pela lua, pelo calor humano, pela música e pelos passos descoordenados que fomos dando: um passo de tango aqui; uma valsa ali, um tcha-tcha acolá. Gosto de fazer parte de ti. A primeira vez é especial, marca e jamais se esquece. L embro-me da primeira vez que me vi ao espelho. Lembro-me de me ter conhecido sem me conhecer. Lembro-me de ter ficado assustada por não saber quem era. A mesma sensação que um animal tem quando vê o seu reflexo. Ter uma lembrança clara do meu próprio reconhecimento é assustador. Olhei para os lados para ter a certeza que estava sozinha. Inconscientemente, soube que, aquele pedaço de gente refletido, era eu. Conheci o cabelo em forma de cogumelo, os olhos verdes cintilantes e as bochechas rosadas. A minha pequena mão pousou sobre o espelho. Estava, agora, a comunicar comigo. Tinha a palma da minha mão em contato com outro ser. Com um ser do além e, ao mesmo tempo, do aqui. Uma mão duplicada para lá. Depois, duas. E, assim, quatro. A minha cara era de pânico. Soube isto porque a estava a ver. Neste momento, podiam ter pegado em mim ao colo. Podiam-me ter dado um beijo na face e dizer que estava tudo bem. Mas não. Deixaram-me experimentar este novo mundo. Esta descoberta fantástica de ser eu duas vezes, sendo apenas uma. O espelho tinha o dobro do meu tamanho. Saí do estado apático em que fiquei durante segundos. Olhei, finalmente, para os meus pés. Também eles se clonaram. Quatro sapatos vermelhos envernizados. Esbocei um sorriso. Eram os meus sapatos preferidos e saber que, agora, tinha mais um par, foi tão bom como saber que podia comer um gelado. Não conhecia os mistérios dos espelhos. Não sabia de que pós de magia eram feitos. Mas estava a gostar tanto. Estava a gostar tanto que deixei de querer conhecer a sua criação. Estava mais preocupada com o seu efeito. Tinha a certeza que os espelhos existiam para tornar as pessoas felizes. Eu fiquei feliz. E, com e sem alguns dentes de leite, comecei a sorrir e a soltar gargalhadas. Ninguém me estava a imitar. Era apenas eu a conviver comigo. Era eu, duplamente feliz. Toquei com o nariz no espelho. Estava frio. Expirei. Ficou quente. Arfei com a boca e deixei de me ver por instantes. Colei-me a mim como uma lapa. Por fim, beijei-me. Já estava a abusar. Alguém teria que limpar o espelho sujo. Esta foi a primeira vez que soube quem era. Soube de mim, por mim. Conheci-me, observando-me. A partir daí, todos os dias passaram a ser uma primeira vez pois notava sempre mudanças. Hoje sei que um espelho traz tanta alegria como tristeza. Sei que, muitas vezes, temos vontade de os estilhaçar. De os destruir e destituir deste planeta. Mas o motivo ultrapassa o nosso estado físico. Esse, reflete-se e corresponde à verdade. O nosso estado de espírito também aparece no espelho e é dele que não gostamos. O reflexo do nosso corpo serve apenas de testemunho para o nosso cérebro. Ele sabe que não estamos bem. E sabe-o porque se lembra que, na primeira vez que nos vimos, éramos alheios a um mundo tão carregado de ilusões.  Blogguer: Ana Ribeiro Blogue: https://omeub