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“No entanto, de modo a assegurar que esse resultado não seria decorrente apenas do aumento da atividade locomotora devido a um efeito psicoestimulante que levaria, por exemplo, os animais a nadarem mais, tivemos que realizar um controle de atividade locomotora”, disse Joca.

“Fizemos o teste do campo aberto, que consiste em colocar o animal para explorar livremente um ambiente novo, enquanto registramos sua atividade locomotora e exploratória. Para dizer que uma droga tem potencial efeito antidepressivo, ela deve ser capaz de reduzir o tempo de imobilidade (aumentar o tempo de nado) no teste do nado forçado, sem aumentar a atividade locomotora no campo aberto, pois isso indicaria que os efeitos no teste do nado forçado não seriam secundários a alterações inespecíficas de atividade locomotora”, disse.

A conclusão do trabalho foi que o tratamento com canabidiol induz efeitos rápidos e sustentados, que permanecem por até sete dias após uma única administração, em animais submetidos a diferentes modelos de depressão (incluindo modelos de estresse e modelos de suscetibilidade genética).

Os dados encontrados foram reproduzidos em três modelos animais diferentes, em laboratórios na FCFRP, na FMRP, ambos na USP, e na Aarhus University.

“Ao estudar os mecanismos envolvidos nesses efeitos, observamos que o tratamento com canabidiol induz rápido aumento dos níveis de BDNF [fator neurotrófico derivado do cérebro], uma neurotrofina importante para a sobrevivência neuronal e neurogênese, que é o processo de formação de novos neurônios no cérebro. Também foi observado no córtex pré-frontal dos animais o aumento da sinaptogênese, que é o processo de formação de sinapses entre os neurônios do sistema nervoso central”, disse Sâmia Joca.

Sete dias após o tratamento, foi possível observar aumento do número de proteínas sinápticas no córtex pré-frontal, que está intimamente relacionado à depressão em humanos. “Diante disso, acreditamos que o canabidiol inicie rapidamente mecanismos neuroplásticos que contribuem para recuperar circuitos neurais que estão prejudicados na depressão”, disse.

Mas a atuação benéfica do canabidiol não se restringe ao córtex pré-frontal. “Em outro trabalho, demonstramos que o efeito do canabidiol também envolve mecanismos neuroplásticos que ocorrem no hipocampo, outra estrutura envolvida na neurobiologia da depressão”, disse a professora da FCFRP.

Segundo ela, caso o resultado do estudo do uso de canabidiol em ratos venha a ser também observado em humanos, uma vez que o canabidiol já é usado em humanos para outros problemas de saúde, “pode resultar em avanço importante no tratamento da depressão, com possibilidade de ajudar pacientes que sofrem por semanas, muitas vezes com risco de suicídio, até que o tratamento funcione”

No momento, os pesquisadores da USP investigam outros mecanismos envolvidos nos efeitos do canabidiol e seus efeitos em modelos animais de resistência aos tratamentos convencionais.

“Estamos estudando, por exemplo, se o canabidiol seria eficaz também em pacientes que não respondem à terapia convencional, ou se quando associados a esses antidepressivos poderia haver melhora dos sintomas. Nesse sentido, em outro trabalho nosso que acaba de ser publicado na revista Progress in Neuro-Psychopharmacology and Biological Psychiatry, demonstramos que o tratamento com canabidiol facilita a neurotransmissão serotoninérgica no sistema nervoso central, sendo que sua combinação com doses baixas de antidepressivos inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como a fluoxetina, induz significativo efeito antidepressivo”, disse Joca.

“Portanto, há a possibilidade de que o tratamento combinado de canabidiol com inibidores da receptação de serotonina permita que esses sejam usados em menores doses, possivelmente diminuindo os efeitos adversos desses fármacos, mas mantendo o efeito terapêutico observado em doses maiores”, disse à Agência Fapesp.

Diante disso, os autores do estudo estimam que o canabidiol tenha potencial efeito antidepressivo para induzir resposta mais rapidamente do que os fármacos convencionais e que, quando associado a esses, seja capaz de melhorar a resposta dos antidepressivos.

“Nossas evidências indicam que esses efeitos ocorreriam por induzir alterações neuroplásticas no córtex pré-frontal e no hipocampo, estruturas envolvidas no desenvolvimento da depressão. Como o canabidiol é usado em humanos para tratamento de outras condições médicas, acreditamos que possa ser estudado também em humanos, em um futuro breve, para o tratamento da depressão”, disse.

Recuperação de circuitos neurais

Estudos em humanos