Bibliotecando nas Bibliotecas Comunitárias Único | Page 164
luar pálido de noites chuvosas. O frio, que rondava as calçadas e
bancos de praças, era contido com jornais velhos, catados nos
lixos das esquinas. Em cada lugar ao relento, tinha um dono
para cuidar, invadi-lo era perigo real, seu olhar tinha que
permanecer vivo para não ser atacado ou morto por algum. Á
noite de neblina fria, garoava madrugada adentro. Muitas vezes
ele andava horas e mais horas para encontrar uma fresta num
viaduto ou ponte onde ancorava sua bagagem e o seu cansado
corpo fadigado de tanta penúria, logo adormecia, encostado na
coluna de cimento frio. O resto da noite custava a ir embora, seu
cansaço era tanto, que nem o sol o acordava cedo, sempre se
expunha a ele. Quando acordado logo se juntava aos seus pobres
pertences, aconchegando-se ao seu matulão, Tião sempre olhava
admirado em sua volta e via sempre a mesma coisa, aquele
formigueiro humano, num vai-e-vem frenético de pedestres em
movimentos. A desatenção dos mesmos e sua indiferenças
sempre esbarravam em Tião, que não se conformava de ser só
um mendigo a mais na multidão. Essa era ação comum e
corriqueira em qualquer cidade grande. Mas, quando Tião
observava atenta a movimentação das ruas, quando passava do
horário de desmanchar sua cama, logo, um guarda a acorda-lo
laborava-lhe com sua tradicional truculência, o fazia levantar-se
de vez. Sem pedir licença, segurava-lhe o braço e a sopapos o
punha de pé. Com um vocabulário rasteiro, sem medir palavras,
ele usava de uma abordagem bem convincente, - levanta
vagabundo, faz fiapo, isso aqui não é albergue não, andando,
andando vamos – assustado, sem entender direito o porquê de
tudo aquilo, levantava-se atordoado, mas, já com sua matula na
mão, ajudado por empurrões do delicado policial, saia
desequilibrado aos trancos a barrancos rua abaixo. Ali começava
mais um dia de martírio, e foi nessa marcha que Tião deu seus
primeiros passos para degradação.