BIBLION MAGAZINE EDIÇÃO INTERATIVA (PT) #6 / NOV-DEZ 2017 | Page 17

B I B L I O N - R E V I S TA D E L I V R O S , L I V R O S E M R E V I S TA rena é uma verdadeira aflição, cheia de dor, sofrimento e injustiça, chegando mesmo a constatar que os mais felizes são aqueles que ainda não nasceram e não experimentaram o tédio e a tortura que é a vida. Correr atrás do vento, sofrer na pele as injustiças e os ma- les deste mundo, trabalhar para que outros gozem os frutos do nosso esforço – tudo isto para acabar em pó, sete palmos debaixo da terra, com o nosso nome e os nossos feitos esquecidos no tempo. Tudo é vaidade, é ilusão, é efémero, e desprovido de sentido ou valor; pois a nossa vida é curta, e o nosso fim é inevitável. No meio de toda esta melancolia, o Ecle- siastes encontra esperança no temor a Deus, na humildade, e no desfrutar do presente. Ele crê que Deus julgará todos os mortos pelas suas ações em vida e conclui que nos devemos alegrar pelas coisas boas que temos, pois elas são dádivas de Deus e nós não sabemos até quando poderemos usufruir delas. Mil anos depois de Salomão (que suposta- mente reinou no séc. X a.C.), surge um novo rei-filósofo na forma de Marco Aurélio, o último dos “cinco bons imperadores”, como Maquiavel os apelidou, que governaram o império romano. Contudo, Marco Aurélio distingue-se dos seus antecessores pela sua dedicação à filosofia; a compilação dos seus escritos, ou Meditações, é considerada uma das maiores obras de filosofia greco-romana. Tal louvor não é para menos. As Meditações do imperador romano oferecem uma perspec- tiva detalhada e singular do estoicismo (escola de filosofia helenística à qual Marco Aurélio pertencia) visto que Marco Aurélio, tal como Salomão, não era apenas um ávido pensador: ele era o líder supremo de Roma, visto como um deus pelo seu povo. No entanto, Marco Aurélio tinha um interesse pouco comum nas tais questões que nos deixam abananados, de tal maneira que mesmo estando em campa- nha militar ele escrevia sobre a sua perspetiva na vida e no mundo em que vivia. Como seria de esperar, a sabedoria de Mar- co Aurélio não se enquadra a cem por cento com a do Eclesiastes. Isto acontece sobretudo pela divergência que resulta do monoteísmo judaico com o politeísmo romano e a vertente panteísta do estoicismo. Marco Aurélio acre- ditava na união de todas as coisas e de todos os seres mortais com o universo; acreditava também no valor da razão e da virtude, essen- ciais para uma vida em conformidade com o que é natural, em detrimento das emoções e dos prazeres carnais, que os estoicos viam como destrutivos. No entanto, ambos os reis-filósofos con- cordam que a vida é passageira, um ponto na infinidade do tempo, e que a morte é um fim inescapável, do qual não devemos ter receio se levarmos uma vida da qual não nos arrependemos. Os dois também concordam que a sabedoria é benéfica a todo o homem e que a sua busca é um modo de vida mai s do que um simples capricho. Outros pontos de encontro são a exortação que ambos fazem www.biblion.pt 17