B I B L I O N - R E V I S TA D E L I V R O S , L I V R O S E M R E V I S TA
rena é uma verdadeira aflição, cheia de dor,
sofrimento e injustiça, chegando mesmo a
constatar que os mais felizes são aqueles que
ainda não nasceram e não experimentaram
o tédio e a tortura que é a vida. Correr atrás
do vento, sofrer na pele as injustiças e os ma-
les deste mundo, trabalhar para que outros
gozem os frutos do nosso esforço – tudo isto
para acabar em pó, sete palmos debaixo da
terra, com o nosso nome e os nossos feitos
esquecidos no tempo. Tudo é vaidade, é
ilusão, é efémero, e desprovido de sentido ou
valor; pois a nossa vida é curta, e o nosso fim
é inevitável.
No meio de toda esta melancolia, o Ecle-
siastes encontra esperança no temor a Deus,
na humildade, e no desfrutar do presente. Ele
crê que Deus julgará todos os mortos pelas
suas ações em vida e conclui que nos devemos
alegrar pelas coisas boas que temos, pois elas
são dádivas de Deus e nós não sabemos até
quando poderemos usufruir delas.
Mil anos depois de Salomão (que suposta-
mente reinou no séc. X a.C.), surge um novo
rei-filósofo na forma de Marco Aurélio, o
último dos “cinco bons imperadores”, como
Maquiavel os apelidou, que governaram o
império romano. Contudo, Marco Aurélio
distingue-se dos seus antecessores pela sua
dedicação à filosofia; a compilação dos seus
escritos, ou Meditações, é considerada uma
das maiores obras de filosofia greco-romana.
Tal louvor não é para menos. As Meditações
do imperador romano oferecem uma perspec-
tiva detalhada e singular do estoicismo (escola
de filosofia helenística à qual Marco Aurélio
pertencia) visto que Marco Aurélio, tal como
Salomão, não era apenas um ávido pensador:
ele era o líder supremo de Roma, visto como
um deus pelo seu povo. No entanto, Marco
Aurélio tinha um interesse pouco comum nas
tais questões que nos deixam abananados, de
tal maneira que mesmo estando em campa-
nha militar ele escrevia sobre a sua perspetiva
na vida e no mundo em que vivia.
Como seria de esperar, a sabedoria de Mar-
co Aurélio não se enquadra a cem por cento
com a do Eclesiastes. Isto acontece sobretudo
pela divergência que resulta do monoteísmo
judaico com o politeísmo romano e a vertente
panteísta do estoicismo. Marco Aurélio acre-
ditava na união de todas as coisas e de todos
os seres mortais com o universo; acreditava
também no valor da razão e da virtude, essen-
ciais para uma vida em conformidade com
o que é natural, em detrimento das emoções
e dos prazeres carnais, que os estoicos viam
como destrutivos.
No entanto, ambos os reis-filósofos con-
cordam que a vida é passageira, um ponto
na infinidade do tempo, e que a morte é um
fim inescapável, do qual não devemos ter
receio se levarmos uma vida da qual não nos
arrependemos. Os dois também concordam
que a sabedoria é benéfica a todo o homem e
que a sua busca é um modo de vida mai s do
que um simples capricho. Outros pontos de
encontro são a exortação que ambos fazem
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