atómica maio de 2024 | Page 10

A HORROROSA BELEZA

DAS PLANTAS CARNÍVORAS

Texto:

Marta Gascão

João Montenegro

José Pacheco

Ilustração:

Maria Valentim

“Feed me, Seymour

Feed me all night long

Ha ha ha ha ha!

Cause if you feed me, Seymour

I can grow up big and strong”

~Audrey II in The Little Horror Shop

PARTINDO DA FICÇÃO DE TERROR

Nos anos 80, Frank Oz realizou um filme, The Little Horror Shop, que, não tendo sido um grande sucesso comercial, acabaria, ainda assim, por se tornar um ícone do universo de terror, ou, pelo menos, de um subgénero que podíamos designar por “horror cómico” ou “comédia de terror”.

Narra-nos a história do jovem floricultor Seymour, que, devorado pela ardente paixão por Audrey, sua colega numa pequena florista, dará o nome de ‘Audrey II’ ao resultado de uma bizarra experiência. Na verdade, Audrey II era uma planta carnívora, que se desenvolvia pujantemente à custa de sangue e de carne humanos (e não só). Várias pessoas que saíram do filme a rir, ou a desmerecê-lo, experimentaram, nas noites seguintes, dificuldade em adormecer ou em dormir sem pesadelos.

Curiosamente, Audrey II, com a sua boca repulsiva, baseava-se, no que respeita ao design, numa planta real, a Dionaea, também conhecida como ‘apanha-moscas’, famosa no inglês corrente como a Venus Flytrap.

Mas foi muito antes disso, ao longo dos anos 20/50, que, nos EUA, as histórias em quadrinhos [série Amazing Stories, entre outras] se aventuraram pelo mundo do ‘Unknown’, com odisseias em que flores gigantescas, ocultas no seio de selvas misteriosas, esperavam pela visita de exploradores destemidos. Fantasmas, pântanos vivos e plantas capazes de prender nas suas gaiolas de folhas, e engolir, animais de grande porte, metáforas dos males que as guerras, tanto a I como a II, tinham feito os jovens descobrir, povoaram as páginas das revistas que modelaram as suas emoções durante décadas.

Se compararmos, porém, com a realidade, a forma como as histórias de terror, quer na literatura, quer no cinema, quer sobretudo nos ‘comics’, fez das plantas carnívoras autênticos monstros, quase inteligentes, dotados de folhas que funcionam como poderosas armadilhas e mandíbulas, arriscamo-nos, num primeiro momento, a ficar dececionados.

É certo que algumas das cerca de 500 espécies de carnívoras espalhadas pelo mundo terão até 2 metros: mas, de facto, a maior parte delas mede apenas alguns centímetros, é de uma delicadeza e de uma beleza encantadoras e não se alimenta geralmente de carne, muito menos humana, mas sobretudo de insetos. Sem querer estragar a surpresa, veremos, adiante, que não apenas, contudo, de insetos.

Nada, portanto, daquilo que nos habituámos a ver em filmes e em histórias em quadrinhos; nada daqueles combates com humanos incautos e vulneráveis, perdidos, amedrontados, com as roupas rasgadas. Essas plantas representam, sobretudo, exemplos de adaptação ao meio: a terrenos inóspitos e com poucos nutrientes - o que é, uma vez mais, a história da vida que se agarra e cresce contra todas as contrariedades e em plena escassez, de que as plantas são a mais viva manifestação, desabrochando por entre fissuras do alcatrão, como se o rompessem, lutando pela sobrevivência, ajustando-se, transformando-se, inventando meios e alianças.

Onde existem estas plantas? Como ‘digerem’, se este for o verbo adequado? E para quê? Quais as suas presas?