atómica fevereiro de 2025 | Page 23

1. A primeira informação que merece realce é esta: a equipa inicialmente constituída com o objetivo de se dedicar à pesquisa e ao artigo sobre "teletransporte", para a revista atómica, era formada por cinco pessoas; quisemos basear o nosso texto em experiências de teletransporte realizadas por nós, fechámo-nos num laboratório, estudámos e trabalhámos intensamente, relemos teorias conhecidas e outras ignoradas, de modo a fabricar o primeiro dispositivo real para teletransportar. Na verdade, a experiência não correu muito bem. Essa é a razão trágica pela qual o grupo passou de cinco a quatro elementos: o quinto elemento (piscadela de olho aos amantes de ficção científica) foi teletransportado e não sabemos para onde. Esperamos voltar a encontrá-lo um dia.

Porém, existe um vídeo: encontra-se, neste momento sob segredo absoluto. Quando, um dia, vier a lume, mostrar-vos-á que a segunda experiência foi um sucesso. A cobaia, perdão!, o voluntário percorreu um espaço (relativamente curto, é certo) entrando no ponto A, transformando-se em energia quântica, que dirigimos para o ponto B, onde se recompôs para tornar a ser o indivíduo inicial, mas sem roupa, com muita sede e alguns lapsos de memória.

 2. De onde surgiu, entre nós, portugueses, o estranho fascínio pela ideia de "teletransporte"? Na verdade, de uma série televisiva absolutamente tonta, mas irresistível, que prendia ao ecrã todas as pessoas com, pelo menos, hoje, 40 anos de idade. Dizemos que é “tonta”, mas carinhosamente. Envelheceu com graça. Uma certa ingenuidade que hoje revela é encantadora.

Esta série norte-americana, realizada por Gene Roddenberry, que dava pelo nome de O Caminho das Estrelas, perdura ainda na memória de alguns espectadores relativamente jovens. Se vos falarmos do Capitão James Kirk (protagonizado pelo célebre William Shatner), sentado na sua cadeira de senhor da nave, ou do maravilhoso Mr. Spock (um brilhante Leonard Nimoy), meio-terrestre, meio-vulcano, conseguem aceder facilmente à referência. Grupos de fãs devotam-se ainda, de vez em quando, a disputas acesas contra os fãs da Guerra das Estrelas, num eterno combate para se decidir qual a melhor obra de ficção científica no género, se Star Trek ou Star Wars.

Uma das ideias maravilhosas com que O Caminho das Estrelas fez sonhar os jovens telespectadores era, pois, o teletransporte.

 

3. Ora o que é isto de teletransporte?

Qual o processo científico por detrás dessa desmaterialização seguida de uma rematerialização em outro ponto?

Trata-se de uma possibilidade cientificamente convincente, a algum tempo de vir a tornar-se uma realidade, ou estamos apenas no domínio da pura ficção?

 

4. O teletransporte como o conhecemos da ficção científica ainda está longe de vir a tornar-se realidade. (Bem sei que começámos o artigo afirmando que o conseguimos, mas, entretanto, deu-se um terrível incêndio no laboratório, o qual destruiu o protótipo e toda a pesquisa. Quanto a nós, divergimos profundamente sobre os passos que tínhamos dado); porém, existe um outro conceito, de certa forma semelhante, que se designa por teletransporte quântico.

É um processo quântico em que ocorre transporte de informação, em vez do de matéria ou de energia. Este transporte de informação de uma partícula para outra dá-se entre duas partículas quânticas entrelaçadas, ou seja, que foram criadas pela mesma fonte, estando ligadas uma à outra, e possuindo, consequentemente, propriedades similares em comparação com outras partículas

quânticas.

Para compreender como ocorre o teletransporte quântico, temos de saber o que é uma partícula quântica: trata-se de uma partícula com dimensões próximas ou inferiores à do átomo. A unidade básica da informação quântica é o Qubit ou bit quântico.

 

5. No entrelaçamento quântico, uma partícula-remetente contém a informação a transmitir à partícula-recetora. Os cientistas fazem uma medição da informação quântica à partícula-remetente, para se determinar o seu Qubit, igual ao Qubit da partícula-receptora. Mas, após a realização desta medição, o entrelaçamento quântico colapsa, mudando os Qubits das duas partículas, a remetente e a recetora. Através de processos quânticos, podemos determinar a alteração ocorrida na partícula-remetente, e como se tratava de um entrelaçamento quântico, as mudanças na partícula-recetora serão iguais às da partícula-remetente. Transmitimos a mudança da partícula-remetente à partícula-recetora e conseguimos reverter essas mudanças, tendo, então, a partícula-recetora com a informação original, anterior às mudanças; por fim, podemos transmitir essa informação a qualquer outra partícula que não pertença ao entrelaçamento quântico.

 

6. Na verdade, o que acabámos de descrever é, na sua complexidade, uma forma de teletransporte, ou seja, de transmissão não física, não espacial, de informação. Isto é possível, e faz-se. Ao nível, portanto, de partículas.

Quando falamos do teletransporte dos corpos, porém, estamos perante outro tipo de dificuldades. Seria necessário desfazer o corpo como composição material, sem perder nenhum dos seus ingredientes, transformando-os em partículas, e descobrir como refazê-lo, a partir dos seus constituintes quânticos, em outro lugar. Parece quase - quase! - um ato de criação divina. Estamos longe. Longe. Longe.

 

Podemos, contudo, continuar a ver, na ficção científica, como seria, se soubéssemos fazê-lo. Não confiaria muito na possibilidade de a experiência que fizemos voltar a ter sucesso.

Acima: "Física Quântica" - Ilustração de geralt no Pixabay.

À esquerda: Spock, Kirk and McCoy: Beaming-In (In-Between), escultura de Devorah Sperber, Microsoft, Studio D, Redmond, Washington.

Foto de Wonderlane no Flickr.