atómica fevereiro de 2024 | Page 30

 

A música e o desenvolvimento neuronal

Por: Ana Morais e Fernando Nagahama

Alguma vez pensaste sobre o porquê de diferentes músicas nos causarem sensações díspares? A resposta a esta pergunta é mais profunda do que apenas o gosto pela melodia ou a letra.

De facto, a música tem a capacidade de afetar o comportamento e o desenvolvimento humano.  São vários os estudos que se referem à música como um dos caminhos mais rápidos e eficazes para promover o equilíbrio emocional e fisiológico do ser humano, ao proporcionar bem-estar físico e psíquico.

Sentir e processar a música exige ao nosso organismo a análise de sinais físicos.  Este processo é iniciado mecanicamente, com as vibrações de moléculas do ar (ondas sonoras) e termina num processo elétrico.

Quando o ouvido externo capta um som, este é encaminhado para dentro do canal auditivo, onde as vibrações são amplificadas até 22 vezes pelos ossículos do ouvido médio e transmitidas à cóclea no ouvido interno. Nela existem células ciliadas que atuam como recetores sensoriais, responsáveis por gerar estímulos elétricos transportados pelo nervo auditivo até ao cérebro. 

Apesar de possuir substratos neurais relativamente específicos (circuitos temporo-frontais do hemisfério direito), o processamento da música é dos que envolve mais áreas cerebrais distintas, incluindo as áreas linguísticas esquerdas e, bilateralmente, áreas visuo-espaciais e motoras (ANDRADE, 2004).

Pessoas sem treino musical processam melodias preferencialmente no hemisfério cerebral direito, enquanto nos músicos, há uma transferência para o hemisfério cerebral esquerdo. O treino musical aumenta o tamanho e a conectividade (maior número de sinapses-contatos entre os neurónios) de várias áreas cerebrais, como o corpo caloso (que une um lado a outro do cérebro), o cerebelo e o córtex motor (envolvido na execução de instrumentos). Esta maior ativação de áreas do hemisfério cerebral esquerdo potencia não só as funções musicais, mas também as funções linguísticas, que estão sediadas neste mesmo lado do cérebro. Vários circuitos neuronais são ativados pela música, uma vez que a aprendizagem musical requer a perceção de estímulos simultâneos e a integração de várias funções cognitivas, como a atenção e a memória, e das áreas de associação sensorial e corporal, envolvidas tanto na linguagem corporal quanto simbólica.   Daí um músico apresentar uma maior capacidade de aprendizagem, atenção, concentração, controle emocional e, normalmente, até bom humor.

As alterações fisiológicas que surgem com a exposição à música são múltiplas e vão desde a modulação neurovegetativa da frequência cardíaca, dos ritmos respiratórios, dos ritmos elétricos cerebrais, dos ciclos circadianos de sono-vigília, até à produção e libertação de várias hormonas/neurotransmissores (nomeadamente a oxitocina, a serotonina, as endorfinas e a dopamina, relacionadas com a felicidade, a recompensa e o prazer) assim como ao sistema de neuromodulação da dor. 

A música é capaz de influenciar o estado emocional do ser humano. Quando, por exemplo, ouvimos uma música triste podemos sentir-nos melancólicos, enquanto uma música alegre pode gerar momentos de alegria e uma maior motivação. A música desencadeia automaticamente emoções primárias, como alegria e tristeza, surpresa e medo, raiva, nojo, etc.  A música dissonante causa “emoções musicais negativas” por ativar o hipocampo e a amígdala que estão associadas à libertação de noradrenalina na circulação sanguínea, processos neurofisiológicos relacionados com o comportamento de fuga ou medo. Por outro lado, “emoções musicais positivas” causadas por música consonante, ativam áreas cerebrais envolvidas no comportamento de recompensa/prazer, como o sistema mesolímbico de dopamina (área tegmentar ventral do mesencéfalo e o núcleo accumbens dos gânglios da base) e o córtex orbitofrontal (veja ANDRADE, 2004). Este processo aumenta a recuperação das funções respiratórias e cardiovasculares e diminui o nível de cortisol após uma situação stressante (KHALFA et al., 2003), reduz a ansiedade, a depressão (SÄRKÄMÖ et a., 2008), e possui efeitos analgésicos (ROY et al., 2008).

Processamento do som no ouvido