Os telemóveis portáteis, o grande fenómeno tecnológico-cultural dos anos 70, tornaram-se, nas recentes décadas, um objeto vulgar, de grande uso à escala global. Não só permitiram uma conexão célere e eficiente, e, portanto, se converteram no mais revolucionário dos meios de comunicação, como passaram a fazer parte do nosso dia-a-dia, não pesando os seus originais dois quilogramas, mas no formato de smartphones exponencialmente mais leves e práticos. Mais de cinco mil milhões de pessoas têm, pelo menos, um telemóvel.
É difícil a qualquer um – e a esta presunção incluo-me a mim mesma, bem como ao leitor – largar o telemóvel por um dia. O que faria os nossos egrégios avós rolar na campa.
Como é que algo tão recente (sim, porque nós, os humanos da atualidade, estamos cá há cerca de 300 mil anos), e sem o qual vivemos durante milhares e milhares de anos, se tornou indispensável?
Mais ainda, desde quando é que o telemóvel deixou de ser somente um meio de comunicação de extrema eficiência e passou a ser um estimulante de neurotransmissores?
A verdade é que, por esta altura, se estará a perguntar se será um dos corajosos capaz de largar o seu telemóvel durante quinze dias, como o título sugere.
Neste artigo, vou explicar-lhe porque é que será dificílimo fazê-lo, e porque quererá desistir – mas também porque se sentirá melhor depois de o fazer.
Partiremos então para a ciência do cérebro. E da dependência. Como passámos a depender tanto dos nossos telemóveis? A resposta é mais inteligível do que possa parecer à primeira vista, e baseia-se na forma como o nosso cérebro aprende e desaprende comportamentos. Há de se lembrar dos seus episódios de traquinice: daquela vez em que entrou dentro de casa com as botas sujas de lama, de chapinhar em poças no meio da estrada de terra batida quando tinha cinco anos, de a mãe se zangar consigo, e de ter levado um raspanete inesquecível. Lembrar-se-á também que após uma afronta do género, não repetiu essa ação.
Também se lembrará dos seus momentos de glória: aquela corrida de saltos dentro de um saco de batatas, que ganhou na primária e fez com que os seus colegas o invejassem, de como se sentiu bem depois da corrida. E de querer repetir ações que lhe trouxessem um contentamento igual, se não maior, no futuro.
Nós, comandados pelo cérebro, aprendemos e desaprendemos comportamentos constantemente. Quando algo nos corre bem, congratulamo-nos; quando nos corre mal, fechamo-nos no chuveiro a chorar durante trinta minutos e tentamos agir melhor da próxima vez.
Esta capacidade seletiva provém de um mecanismo de feedback do cérebro, e da sua reação a estímulos que provêm do exterior.
Podemos reduzir os nossos comportamentos a três tipos fundamentais. Em determinadas situações, uma ação pode, inesperadamente, surtir um bom resultado, funcionando como um mecanismo de feedback positivo e de libertação de neurotransmissores (como a dopamina) responsáveis pela felicidade e bem-estar. Um comportamento que conduza à libertação de dopamina leva-nos a praticá-lo consistentemente. É neste processo que se baseia a aprendizagem.
Noutras situações, sabemos que uma ação ou comportamento nos trará repercussões positivas, e por isso antecipamos uma recompensa. Quando os resultados são satisfatórios, tendemos a manter esse comportamento; quando não o são, mudamo-lo.
No que toca aos telemóveis, nunca conseguimos prever exatamente o que vamos ver quando abrimos o Instagram ou o Twitter. Não obstante, a maioria do conteúdo online é conteúdo que satisfaz as nossas necessidades e que nos recompensa, sob a forma de libertação de dopamina. Assim sendo, associamos os telemóveis a recompensas fáceis, e sem esforço, motivando o hábito.
Para quê ler um livro ou fazer uma caminhada com a família, quando pode pura e simplesmente sentar-se no sofá após um dia de trabalho e passar horas intermináveis a ver vídeos de fails na internet? É uma oferta promissora, um dos melhores acordos com o Diabo, irrefletidamente olhar para um ecrã durante horas, a ver e imediatamente a seguir esquecer, em troca de recompensas imediatas, ou do termo chave: gratificação instantânea.