A palavra “robô” é-nos tão familiar, e parece de tal forma enraizada na nossa cultura, que a tratamos como se estivesse de há muito instalada entre nós. Na verdade, o termo é um neologismo não anterior ao século XX: tem a sua primeira aparição numa peça teatral, de 1920, escrita por Karel Čapek: “R. U. R” (que, aliás, significa - na tradução em inglês - “Rossum's Universal Robots”).
O genial Isaac Asimov, conhecido como autor maior de ficção científica, não gostou da obra e criticou-a, sem, porém, deixar de reconhecer a importância, para a ciência e para o universo da ficção científica, do conceito e da palavra introduzidos na comunicação, “robô”. Em 1950, encontramo-la já no título de uma outra obra de referência, de fc: “Eu, Robô”, precisamente de Asimov. Aí, através de uma história transposta, também, para o cinema (num filme de 2004, realizado por Alex Proyas e com Will Smith) são tratadas inúmeras questões que vieram a fixar-se como dominantes na visão que temos, ainda hoje, da relação entre os humanos e os robôs. Questões, por um lado, relativas à comparação entre inteligências: poderiam os dotes intelectuais da humanidade, tão complexos, mas, em tantos aspetos, tão imperfeitos, competir com uma inteligência criada pelos próprios seres humanos, e nessa medida, portanto, “inferior”, mas objeto de uma evolução tecnológica sem limites antecipáveis, que lhe permitisse uma maior rapidez na formulação de raciocínios formalmente exatos?
Esta questão sugere uma dúvida que, por sua vez, exige uma outra questão: devemos realmente usar, a propósito da inteligência artificial, o termo “raciocínio”? É mesmo de um raciocínio que se trata? E, a sê-lo, que significa isso? Qual a essência do tipo de pensamento de uma máquina?
Puxando o fio, outras questões vão tendo de ser postas. É possível, em algum momento desta evolução, que uma fonte não natural de raciocínios - uma inteligência artificial, portanto - desenvolva uma consciência? Uma subjetividade, o “eu” de um “robô”, afinal, tal como no romance de Asimov? Ou estamos sempre na ordem da simulação, quer dizer, perante uma imitação de respostas conscientes, sem, realmente, o serem?
Se nas máquinas despontasse uma consciência autónoma e intencional, distinguiria o bem do mal? Reconhecer-se-ia numa identidade coletiva, análoga à “espécie”?
Essa inteligência artificial, inventada pelos humanos como seu mero instrumento, tornada, porém, mais eficiente que a inteligência dos próprios criadores, tenderia previsivelmente a revoltar-se contra eles? Dominá-los-ia? Escravizá-los-ia? Conquistaria o poder através de uma longa guerra, para trazer para cima da mesa alguns temas fortes da ficção científica, em que, a prazo, os antigos senhores seriam devastados?
Asimov enuncia, no livro a que temos estado a referir-nos, as célebres leis da robótica, que deveriam fazer parte da programação de qualquer robô: um conjunto de instruções para impossibilitar uma rebelião das máquinas.
A primeira lei determina que um robô não possa matar ou ferir um ser humano, quer fazendo-o diretamente, quer nada fazendo para impedir que tal suceda. Ou seja: não pode voltar-se ele mesmo contra uma pessoa, mas também não pode deixar de atuar para a defender.
Pela segunda lei, o robô deve obedecer às ordens dos humanos. Judiciosamente, Asimov acrescenta: a não ser que o cumprimento de uma ordem humana viole a lei anterior (como no caso em que uma pessoa ordene a um robô que magoe ou mate outra pessoa).
Somente pela terceira lei, por fim, o robô tem o objetivo de autoproteger-se. Mas, evidentemente, e uma vez mais, desde que esta última orientação não ponha em causa nenhuma das anteriores. Isto é: a autoproteção do robô nunca deve cumprir-se contra os humanos.
Mais tarde, a estas leis, Asimov adicionará uma outra, mais geral e mais importante do que as demais, subjacente a elas - uma “lei zero”: um robô não pode causar mal à humanidade, ou não fazer tudo quanto possa para evitar que a humanidade sofra algum mal.
Num filme com um relativo interesse, o primeiro da saga “Exterminador” [“O Exterminador Implacável”, de 1984, realizado por James Cameron], um mítico e inesquecível Arnold Schwarzenegger representa o papel de um robô enviado, do futuro, para matar Sarah Connor. Quem é ela?Na tremenda luta entre os humanos e a inteligência artificial, que eclodirá nesse futuro, aqueles - os homens e as mulheres - estarão firmemente organizados para combater a IA, tendo-se ela erigido como um sistema pensante e agressivo, apoiado em máquinas sofisticadas e poderosos robôs. Planeando impedir que os rebeldes humanos vençam, skynet, a rede da inteligência artificial, deslocará um robô, de 2029 a 1984, com o fito de liquidar a mãe de uma criança, ainda então não nascida, que, se sobrevivesse, se tornaria líder da resistência. Sarah Connor é essa mãe. E é o filho, o John Connor do futuro, que, por sua vez, instruirá um viajante no tempo para que recue a 1984, de forma a proteger, no passado, a sua mãe. Portanto, se, neste filme, a inteligência artificial decide tomar o poder, livre, forte e destituída de qualquer programação que disso a impeça, é porque se pressupõe a inexistência do bom robô, na perspetiva humana, leia-se, o instrumento obediente, orientado pelas leis asimovianas, impotente para provocar dano aos seus criadores ou para não impedir que eles sofram ou sejam destruídos, cumprindo o seu “dever” ao serviço estrito da humanidade. Na verdade, esse “bom robô" virá a existir, mas só em outros filmes da saga.