atómica fevereiro de 2023 | Page 32

Fritz Haber: uma mente tão brilhante como cruel

Por: Matilde F. Laranjeira

A vida paradoxal de Fritz Haber começou em 1868, numa cidade chamada Breslávia, na Prússia (atualmente localizada na Polónia), no seio de uma família judaica rigorosa.

Desde jovem que o pequeno Fritz excedia as expectativas no campo das ciências e, mais velho, acabou por encontrar o seu propósito no campo das físico-químicas. Principiou a sua vida académica na Universidade de Berlim, com dezoito anos, continuando depois na Universidade de Heidelberg. Interrompeu a carreira por um ano, para cumprir o serviço militar, retomando-a posteriormente no Colégio Técnico de Charlottenburg, sob a tutela de Karl Liebermann. O trabalho desenvolvido no Colégio Técnico garantiu-lhe o doutoramento na Universidade de Berlim.

Durante um período de três anos pós-doutoramento, o químico fez trabalhos de pesquisa, esporadicamente, intercalados com empregos aqui e acolá. Inclusive trabalhou ao lado do pai, um importador de tintas e pigmentos de sucesso. Isto foi parte da razão pela qual Haber escolheu a Química como o foco principal da sua carreira.

Casou em 1901 e nem quatro anos mais tarde já publicara o seu terceiro livro, aos 37 anos de idade. Lecionou no Instituto de Tecnologia Química da Universidade de Karlsruhe entre 1894 e 1911. Durante este período, nutriu um grande interesse pelo processo de fixação do nitrogénio. Isto viria a ser a base de todas as suas conquistas no campo da Química, a razão do seu Prémio Nobel, em 1918, bem como a origem de uma invenção que alteraria o mundo para sempre, como veremos seguidamente.

No início do século XX, o aumento populacional resultante da Revolução Industrial fazia-se sobretudo sentir na agricultura. A intensa exploração agrícola esgotava cada vez mais o nitrogénio do solo, produzido por pequenos micro-organismos de forma natural que, infelizmente, não possuíam a capacidade de regenerar nitrogénio à escala em que este estava a ser utilizado. E agora o leitor pensa: “ora essa, mas a atmosfera terrestre não é composta, em grosso modo, por nitrogénio?” Bem, sim, de facto é. 78% da atmosfera terrestre é nitrogénio, que existe sob a forma da molécula N2, uma molécula com ligações covalentes triplas fortes e incrivelmente estáveis. Lamentavelmente, para que as plantas possam fazer uso do nitrogénio presente no solo, este não se pode encontrar sobre a sua forma diatómica, mas tem de ser alterado ou convertido numa molécula mais reativa: o amoníaco (NH3).

Antes de Haber, esta transformação era feita pelos tais pequenos organismos presentes no solo. Porém, os solos ricos estavam rapidamente a desaparecer e o Império via-se obrigado a importar fertilizantes naturais da América Latina.

Por volta da mesma altura, Haber apercebeu-se de que era possível sintetizar amoníaco dentro de certas condições específicas, usufruindo do nitrogénio e hidrogénio atmosféricos, através de um processo ao qual agora chamamos o processo de Haber-Bosch.

Em 1908, descobriu que, se combinasse estes dois elementos químicos em condições de pressão e temperatura elevadíssimos, circulados sobre um catalisador (como o irídio ou o ósmio – dois metais de transição), poderia sintetizar amoníaco artificialmente. Cinco anos mais tarde e com a ajuda de Carl Bosch, a sua grande descoberta tornou-se conhecida e usada a nível industrial, sendo agora considerada uma das maiores conquistas do século XX.

Chegamos então a uma boa altura para o lembrar a si, leitor, que o amoníaco é extremamente reativo e por isso extremamente útil no fabrico de bombas.

Fritz Haber não estava voluntariamente a tentar terminar a fome no mundo e ainda menos a fazer um gesto humanitário em grande escala. Na verdade, o seu objetivo era ajudar a Alemanha no fabrico de explosivos para usar na Guerra. Porque, enquanto o composto em si – o amoníaco – é fundamental para fertilizar os solos, é também facilmente convertido em ácido nítrico, um dos ingredientes-chave na criação de bombas e explosivos.

Na Primeira Grande Guerra, a exportação de fertilizantes naturais da América do Sul para a Alemanha foi impedida pelos Aliados, cortando o seu acesso aos nitratos que daí provinham. Graças à descoberta de Haber, a Alemanha foi capaz de prosseguir com o fabrico de explosivos, mesmo sem os nitratos fundamentais à sua produção. Afinal, eram capazes de os produzir artificialmente e sem grande custo.

Também aquando da Primeira Guerra Mundial, o cientista, agora diretor do Instituto de Tecnologia Química da Universidade de Karlsruhe, foi recrutado para liderar o departamento para a produção de armas e armamento químico alemão. Não só a síntese artificial por ele criada foi importante para o esforço de guerra alemão, como as suas futuras invenções se tornariam igualmente fulcrais.

Foi nesta altura que, conscientemente, Haber focou o seu cérebro de químico brilhante na divisão de compostos gasosos, capazes de magoar gravemente e até matar outros seres humanos.

As suas primeiras tentativas provaram-se inúteis no campo de batalha, até que lhe surgiu a ideia genial de utilizar cloro como arma química. O dia 22 de abril de 1915 testemunhou o primeiro ataque químico militar em grande escala na Bélgica. O composto de cloro provou-se muito eficiente, ferindo e retirando a vida a cerca de 10 000 pessoas.