atómica fevereiro de 2023 | Page 10

A CIÊNCIA E OS COMICS

Alguns super-heróis à luz da Ciência

Por: António Bento, Joao Soares, José Pacheco e Maria Luiza Meger

INTRODUÇÃO

Mudando sucessivamente de nome, a Marvel nasceu no fim dos anos 30 para preencher um nicho de mercado que começava a evidenciar-se nos EUA: o das histórias em quadrinhos. Na verdade, a descoberta desse nicho já tinha sido feita, alguns anos antes, pela DC, a que é importante que nos refiramos, até porque os Lanterna(s) Verde(s), sobre os quais também nos debruçaremos adiante, são personagens desse grupo editorial.

Diferentemente das escolas europeias de banda desenhada, particularmente a franco-belga, com a sua história própria e herdeiras de uma tradição particular (Bécassine, considerada a primeira BD de um autor europeu, nasceu em 1905), os norte-americanos investiriam nas figuras do "super-herói" e do "super-vilão". Numa época de crise generalizada, sentindo-se ainda, naturalmente, os ecos e os efeitos da Grande Depressão de 1929, e perante o terror com que se ia adivinhando, primeiro, e assistindo, depois, ao longo dos anos 30/40, à ascensão e à consolidação do nazismo na Alemanha, os jovens americanos estavam sedentos de uma mitologia em que identificassem seres do Bem, super-poderosos, praticamente deuses, auto-incumbidos da missão generosa de salvar e proteger. O Capitão América, como o nome indica, representava esse ideal, sub-repticiamente político, de um super-protetor dos fracos, em nome de um país que se via e queria dar a ver como o salvador do mundo.

Por outro lado, as culturas "mainstream" no ocidente haviam sofrido novas influências, que as transformaram: os avanços da ciência tinham penetrado todas as esferas, de modo que os jovens não podiam acreditar simplesmente numa mitologia feita de deuses ou semi-deuses (apesar de Thor ser uma das personagens mais bem-sucedidas do universo Marvel) ou seres de outra dimensão. Para o nascimento dos poderes destas personagens se requereu uma história minimamente verosímil (com boa vontade, admitamos!) e uma explicação - ou uma pseudo-explicação - científica. Desde um Homem-Aranha (Spiderman), adolescente tímido e inseguro, que se tornaria num ágil e generoso vigilante, percorrendo os espaços entre arranha-céus, pendurado das teias que lançava, manifestando poderes que lhe advieram da mordida de uma aranha radioativa (mas o que seria exatamente uma "aranha radioativa"?), até ao Incrível Hulk, que, na versão primitiva, ganharia a força (mas também a massa e a cor verde, em momentos de instabilidade emocional) por causa de um acidente ocorrido numa experiência laboratorial com raios gama, passando pelo Homem Elástico ou outros, em quase todos somos confrontados com origens e biografias onde a ciência, porventura às três pancadas, procurava ocupar um papel de explicação racional. No horizonte de personagens que escapam a este padrão, como Lanterna(s) Verde(s) (Green Lantern) ou X-Men, a ciência também não está completamente excluída. Trata-se, no primeiro caso, da posse de anéis que estão longe de ser apenas "mágicos" ou divinos, apelando, antes, para hipóteses rocambolescas, mas de "aparência" científica, e, no segundo caso, de personagens que são mutantes, numa época em que o conceito de mutação genética estava muito em voga. O que este ensaio a várias mãos se propõe é, precisamente, o confronto com a explicação científica dos poderes de algumas destas personagens, mostrando, em alguns aspetos, a sua inocência e impossibilidade e, em outros aspetos, a sua inesperada lógica e o seu bom fundamento científico.

Em última análise, interessará não perder de vista que estes heróis pertencem a um mundo em que tornaremos a entrar, de novo, para nos divertir. Toda a ficção espera, de nós, uma suspensão da descrença, ou seja, a vontade de um leitor ou espectador de aceitar como verdadeiras as premissas de um trabalho de ficção, mesmo que elas sejam fantásticas, impossíveis ou contraditórias.