As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 162

vernamental? Onde andará a autoestima dos parlamentares, que não parecem se importar com o desprestígio da instituição e, por extensão, de seus próprios mandatos? O sistema contempla passivamente o seu enfraquecimento. O cenário é preocupante: se o sistema político não reage não será porque o país dele não necessita e nele não se reconhece? Para que as coisas continuem como estão, nessa malemolência irritante e normalizada, não seria preciso que as instituições funcionassem bem. Quanto piores forem, na verdade, mais “normalidade” e rotina transferirão, imunizando o sistema. O país não cairá no precipício, mas também não irá para frente. É uma hipótese: as instituições se converteram em algo irritantemente “funcional”, inofensivo até mesmo para manter o sistema político em ação. Olhando as coisas mais em detalhe, vê-se que a situação passa por um sistema eleitoral que personaliza as disputas e incentiva os candidatos a constituírem – para si e não para seus partidos – nichos de legitimação e conquista de votos que, com o tempo, acabam por atrelar os parlamentares a uma lógica particularista cega para o coletivo. Vítimas não inocentes deste sistema, os partidos são por ele arrastados e condicionados. Não participam das eleições como forças ideológicas ou programáticas coesas, não se comportam como expressão de um movimento orgânico dotado de opinião, mas somente como instrumentos de luta pelo poder. Enredados pelos fios perversos do sistema e perdendo inserção na sociedade, deixam de selecionar seus candidatos ou de submetê-los a alguma coerência. É um defeito das regras eleitorais, um efeito não desejável delas, mas é sobretudo uma espécie de “falha de caráter” do sistema como um todo – um problema de cultura política, de ética pública. Podemos refazer as regras, mas se não mexermos no substantivo nada acontecerá. Basta analisar os personagens que passam pela propaganda eleitoral gratuita para que se visualize a gravidade da situação. O cenário é marcado pelo mais puro bestialógico. 160 As ruas e a democracia