As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 157
nização do mundo do trabalho, ao desarticular grupos e classes, arrastou consigo partidos e sindicatos. A política ficou sem
forças, a representação passou a levitar, como se lhe faltassem
raízes e apoios.
Em junho, as pessoas foram para as ruas. A revolta se generalizou com rapidez, causando arrepios e estupor nos políticos,
júbilo e entusiasmo em muitas faixas da população, um defensivismo conservador de outros tantos, movidos pelo medo ou
por uma visão elitista da história.
A polissêmica e vibrante voz das ruas, que então atingiu alto
e bom som, teve que ver com a emergência de um novo modo de
vida e o esgotamento de um formato de política. Associou-se à
percepção de que a sociedade está excluída da arena pública,
quer nela ser reconhecida e dela participar. A revolta foi uma
forma de luta por identidade e reconhecimento, além de por
mais participação. Teve também que ver, sobretudo, com uma
correlação de forças que se sedimentou no país ao longo das
últimas décadas, pôs em curso um modelo de crescimento e de
ascensão social, prometeu mundos e fundos, obteve algumas
conquistas mas criou muitas ilusões e muita insegurança, jogando a sociedade numa armadilha, da qual ela então mostrou
querer se libertar.
Depois de junho, um diagnóstico em grande angular poderia
indicar: o Estado e a política estão afetados, e de certo modo congelados, pelo cruzamento de modernidade tardia e de condição
periférica. Ficamos muito modernos sem deixarmos de ser “atrasados” e a mistura desses dois universos impacta negativamente a
dinâmica social. Nada funciona muito bem no Brasil, nada satisfaz, nada parece ter potência para alterar o rumo das coisas.
As instituições políticas não conseguem mais responder aos fluxos sociais e não funcionam para que se os governem. Não configuram uma moldura confiável para a ação governamental, nem
fixam regras estáveis para o relacionamento entre os poderes do
IV. Crise e reforma política
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