As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 149
Visto no conjunto, o sistema político brasileiro mostra-se
aquém do que necessita a sociedade. Não reflete seu dinamismo
nem é capaz de assimilar suas agendas. Tem baixa eficiência no
processamento dos conflitos e das demandas sociais e tende a
sobrecarregar as operações governamentais. A reforma política,
porém, não avança, sequer em termos cosméticos. Crises de governança e perdas de qualidade na coordenação política tornam-se assim inevitáveis. E só não produzirão maiores estragos
caso o governo mantenha a iniciativa, reitere e amplie as políticas que têm feito seu sucesso.
O processo político também sofrerá alguma influência daquilo que é o mais importante resultado das políticas seguidas
na última década: a expansão dos “emergentes”, dos trabalhadores pobres que passaram a dispor de maior renda e de maior
poder de consumo. A “nova classe média”, marcada pela heterogeneidade e pela pluralidade de orientações ideológicas, tenderá
a ocupar espaço relevante no cenário político nacional e a ser
alvo da atenção dos políticos e do governo.
O cenário que se tem pela frente, portanto, se não sugere a
formação de nuvens carregadas de tormentas potenciais, também não se mostra desanuviado e tranquilo. A vida social continua a se tornar sempre mais complexa e diversificada. Permanece ativa, ainda que esteja firmemente atada à movimentação do
Estado. Conflitos inesperados (greves prolongadas, ocupações
de terras, revoltas semelhantes à de junho) indicarão que o governo não tem como controlar tudo. A própria reiteração das
denúncias de corrupção ou a revelação de novos “escândalos”
envolvendo setores da cúpula governamental podem incentivar
manifestações sociais que, sem serem necessariamente de oposição, pressionarão e desafiarão o governo.
III. Voo panorâmico sobre o governo Dilma
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