As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo | Page 119
Um último círculo precisaria ser lembrado. Ele tem a ver
com algo que se espalha pelo mundo como um furacão. É que a
política se dissociou da sociedade. Não dialoga mais com ela
como opinião pública, como sociedade civil ou como estrutura
social. O sistema político se isolou, vive encastelado, concentrado em seus próprios interesses. Não se reforma e não se deixa
reformar. Produz inúmeros problemas e quase nenhuma solução. Permanece como que acorrentado a um tempo pretérito, ao
passo que a sociedade avança pelas ondas líquidas e digitais da
vida hipermoderna.
Esse conjunto de círculos inimigos iria se revelar mais ameaçador do que qualquer deslize ético, político ou moral de um ou
outro ministro. Na verdade, estaria na origem dos deslizes. Contra ele, o governo Dilma, fortalecido pela recomposição de seu
ministério e pelas possibilidades que lhe ofereceram a crise internacional, a situação econômica e a reorganização da estrutura
social do país, travou e travaria suas mais importantes batalhas.
O equilíbrio demonstrado pelo governo nos dois primeiros
anos foi seu maior aliado. A situação nunca lhe foi totalmente
favorável, sempre houve ventos soprando forte pelos lados da
economia, a maioria parlamentar jamais foi confiável e faltou
ao governo maior poder de articulação e coordenação, seja em
seu próprio interior e no âmbito das relações com os demais poderes, seja junto à opinião pública e à sociedade civil. O barco
permaneceu singrando os mares, conduzido por uma timoneira
com atributos técnicos mas baixa densidade política e poucas
bases próprias.
Urnas pouco revigorantes
O governo permaneceu, até o final de 2012, enredado num
matagal de pequenas questões, sem deixar suficientemente claro qual seria o eixo de sua atuação até 2014.
III. Voo panorâmico sobre o governo Dilma
117