Andamento #1 Conservatório de Música de Sintra | Page 27

Pessoalmente , comecei a acertar muito mais notas quando deixei de me preocupar em acertar nas notas . improvisar numa linguagem desconhecida mas , ao mesmo tempo , não há melhor maneira para dominar uma linguagem e compreendê-la verdadeiramente , do que improvisar sobre ela . Portanto tem de haver um percurso que , para mim , passa pelo ouvido , pela auralidade . Primeiro é necessário contactar com a linguagem , ouvir exemplos , para começar a criar uma sonoridade , um vocabulário , para que , quando for improvisar , já não seja tudo tão abstrato . Na verdade acontece o mesmo na música erudita : imaginando que sou um aluno que nunca ouviu Mozart e que acabei de entrar no conservatório , será muito difícil interpretar bem uma obra de Mozart apenas a ler “ bolinhas ” numa partitura . É difícil de ler se não tivermos a referência auditiva e estivermos a ler nota a nota . Quando já conhecemos aquela linguagem bem , olhamos para o “ desenho ” e já sabemos que aquelas notas correspondem àquela escala . Não lemos nota a nota e , portanto , isso implica conhecer um pouco aquela linguagem e ao mesmo tempo usar a improvisação para identificar maneirismos e depois replicá-los . Até se pode fazer o jogo de tentar improvisar a soar a Mozart ou escutar um trecho de Mozart e responder a imitar o género a cantar , há várias formas de fazer este tipo de exercícios . Quando o aluno estiver a tocar uma sonata de Mozart já percebe tudo de uma forma muito mais intuitiva , já não está só a ler as notas , consegue contextualizá-las ; isso faz muita diferença e é uma das utilidades da improvisação . Em relação aos bloqueios de que estavas a falar , e para além do desconhecimento do vocabulário que é um bloqueio gigante , acho que tem muita influência a questão da personalidade mais ou menos dada ao risco , que já mencionei . Um aluno que gosta e se sente confortável a arriscar , fá-lo com confiança , e obtém resultados interessantes , que até podem ser bastante acidentais , mas saem e reforçam a ideia de que arriscar corre bem ; mas o mesmo acontece ao contrário se não gostarmos de improvisar . Por exemplo , eu tinha uma personalidade muito dada ao risco em tudo , mas na música tinha alguns bloqueios por sentir uma expectativa familiar que me bloqueava muito mais do que nas outras coisas . No momento em que consegui pôr isso de lado , de repente começaram a sair coisas boas e descobri que era capaz de fazer uma série de coisas interessantes e musicalmente bem sucedidas . Quando se está a dar os primeiros passos na improvisação , estas duas coisas têm que ser tidas em conta , não podemos simplesmente avaliar o sucesso do aluno pelo sucesso daquele solo ou daquela abordagem . Muitas vezes faço um exercício com alunos que percebo que são menos dados ao risco , que consiste em tocar “ ao calhas ”, mas com o ritmo certo , para que , assim , comecem a libertar-se da ideia de que só se tocarem notas certas é que o exercício é bem sucedido . Estes alunos precisam de muito feedback positivo . Pessoalmente , comecei a acertar muito mais notas quando deixei de me preocupar em acertar nas notas .

AA : No início do teu percurso musical estudaste no Conservatório Nacional , começaste
por aí … IL : Comecei pelo violino no conservatório . A minha mãe é professora de piano , o meu pai é pianista , tínhamos sempre pianos em casa e , portanto , comecei a tocar piano cedo com a minha mãe , ela explicava-me as coisas com calma , fazia uns jogos comigo …
AA : E aí com uma abordagem clássica . IL : Sim , ensinava-me peças de Mozart , fazíamos uns jogos nas teclas pretas . Ao fim de um tempo , comecei a sentir o bloqueio
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