Andamento #1 Conservatório de Música de Sintra | Page 26

uma leitura mais clara sobre a sorte que tive ao longo do meu percurso . Foram as vivências e não a genética , isto é , não herdei talento da minha família , tive , sim , um contacto muito privilegiado com a música .
AA : A questão do talento acaba por ser um mito . IL : Sim , ainda que seja inegável que há pessoas que têm mais facilidade do que outras . Em relação ao que acabei de referir sobre o contacto , a vivência , a atenção com que se ouve música , há um outro ponto a acrescentar e que tem a ver com o aluno ter ou não uma personalidade dada ao risco . Depois de muitos anos a dar aulas , de conhecer muitos alunos de todas as personalidades possíveis e imaginárias , comecei a aperceber-me de que há alunos que gostam do risco e adoram o desafio e , por isso , lançam-se a coisas novas e diferentes com muita garra e entusiasmo ; mas há também pessoas que quando contactam com uma coisa nova retraem-se e não dão nenhum passo sem estarem absolutamente confiantes . Como os passos são muito mais pequeninos e com menos confiança e determinação , a possibilidade de acertar é inferior . É comum encontrar pessoas que até tiveram muito contacto e gostam muito de música , mas que , como não têm confiança , não arriscam , e isso vicia o resultado . Acho que um bom professor tem que jogar nestas três frentes : paixão , contacto e personalidade . Se tiver um aluno que tem o contacto e que adora música , mas com uma enorme falta de confiança e receio de arriscar , é aí que eu vou focar a minha atenção enquanto professora . Às vezes acontece o contrário , alguém é muito dado ao risco , adora música , mas não teve contacto nenhum , então vou investir a minha atenção no contacto , fazendo exercícios para contactar com a música , ouvir música e falar sobre ela .
AA : Aí estás a falar sobretudo sobre a dimensão da psicologia do ensino . IL : Sim , é isso que acho que faz um professor ser mais ou menos competente , independentemente de ser um músico mais ou menos competente . Tenho colegas que são grandes músicos , mas que não questionam o que foi feito com eles e replicam o modelo , considerando que se resultou para eles resultará também para os seus alunos , e atribuindo culpa aos alunos caso não funcione . Para mim há um lado de empatia e de interesse nesse processo , é muito estimulante o desafio de levar alguém a um sítio , é um trabalho de equipa . Eu não me afasto , não me demito da minha responsabilidade no sucesso de um aluno , mas também não sou arrogante ao ponto de achar que sou uma professora espetacular . Claro que não . É um trabalho de equipa e vou fazer o melhor que consigo com o que o aluno for . Adoro esta dimensão de adaptabilidade , cada aluno é muito diferente do outro e isso é muito interessante .
AA : A improvisação por exemplo é uma ferramenta facilmente aplicada por alguns alunos , mas outros fogem da ideia porque não sabem o que é suposto acontecer , não têm o resultado final como quando têm uma partitura . Aí , entender a personalidade do aluno e perceber o que é que poderá estar por detrás dessa reação é muito interessante e importante para o acompanhar . IL : A minha tese de mestrado em ensino é precisamente sobre o uso da improvisação e do ouvido no ensino da música erudita . Neste contexto é muito importante o que referi anteriormente : por um lado , a questão do contacto , do conhecimento da linguagem ; por outro lado , a personalidade . É difícil
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