Andamento #1 Conservatório de Música de Sintra | Page 25

Ana Albino ( A . A .): Estudaste música clássica , jazz e cresceste num meio muito musical . Fala-nos um pouco sobre o teu percurso . Inês Laginha ( I . L .) O meu percurso é bastante estruturante na minha visão em relação ao ensino porque tive a sorte de crescer numa família de pianistas : o meu pai é pianista de jazz e a minha mãe é professora de piano clássico e , portanto , a música , e o piano em particular , estiveram muito presentes na minha vida desde o início . A música que eu ouvia em casa raramente era jazz . A minha mãe ouvia muito música clássica e o meu pai ouvia uma misturada grande de coisas desde Weather Report a Sting , passando por Björk , um universo muito amplo . Também é interessante realçar que , enquanto na maior parte das famílias os pais lêem histórias às crianças para as adormecer , a minha mãe pegava na guitarra e tocava músicas para eu e o meu irmão adormecermos . Todo este contexto foi um ponto de partida que me favoreceu muito no que diz respeito ao contacto com a música e que considero fundamental , já que , para mim , a música é uma linguagem de contacto , no sentido em que é algo que não é possível aprender teoricamente de forma credível se não se tiver o contacto com a linguagem . Desta forma , quando comecei a ter aulas de música , já ia com avanço em relação aos meus colegas , portanto era muito fácil ser considerada talentosa . Hoje em dia já não acho que isso sequer exista , mas reconheço que , de facto , levava um avanço , uma vez que quando me ensinavam um conceito novo eu já tinha o conhecimento auditivo , era só dar-lhe um nome ; um pouco à semelhança de aprender as cores : se nunca ninguém te ensinar o nome das cores , não quer dizer que és daltónico , simplesmente nunca te ensinaram o nome , mas tu contactaste , sabes as cores e sabes distingui-las . Senti sempre isso com a minha aprendizagem musical . No fundo , o vocabulário musical já lá estava desde sempre , porque ouvi muita música diferente , ativamente , algo que acho que faz a diferença . Nós cantávamos o que estávamos a ouvir , batíamos palmas , dançávamos , nunca houve música ambiente . Isso foi muito estruturante porque , por exemplo , eu já sabia distinguir acordes maiores , só não lhes dava um nome ; quando me ensinaram o som da tercina , já sabia perfeitamente o que era , nunca tive dúvidas e nem era preciso sequer racionalizar . Em suma , quando aqueles conceitos me foram apresentados já sabia o que representavam auditivamente . Lembro-me que nada que eu tenha aprendido em formação musical me foi difícil durante o percurso inteiro .
AA : Portanto a formação musical veio como que colocar um rótulo em coisas que já sabias , que já tinhas no teu imaginário musical desde sempre . IL : Sim , completamente . Quando comecei a aprender , com um ensino estruturado pela música clássica , e tendo aquele background , não senti dificuldade nenhuma na leitura . No entanto , quando comecei a dar aulas deparei-me naturalmente com pessoas sem esse background e que tinham imensa dificuldade em aprender a ler ; percebiam racionalmente o que era um tempo dividido em dois , mas isso não se traduzia em som . Batalhei bastante nos primeiros anos em que dei aulas , com 18 , 19 anos , e depois comecei a questionar . De forma muito prática , se não precisasse de dar aulas para subsistir , consideraria aqueles alunos como pouco talentosos , que é o rótulo que atribuímos em contexto de ensino , chamaria os pais e diria que não valia a pena insistir . Mas como precisava de dar aulas para balançar as contas , ponderei a possibilidade desta aparente falta de talento não ser fixa , percebi que aqueles miúdos nunca cantavam em casa , que a música era sempre ambiente , não havia audição ativa , e comecei a fazer com os alunos o que os meus pais fizeram comigo antes de começar a ler : cantar , marcar o ritmo , dançar . E , dessa forma , alunos que inicialmente parecia que nunca iriam conseguir cantar afinado , de repente , davam uma volta de 180 graus e alguns deles tornaram-se dos meus melhores alunos . Isto iniciou um processo . Tenho hoje
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