AboutUS By Hotspotorlando #30 | Page 15

Não por acaso, aconteceu, por exemplo, o boom imobiliário da Barra da Tijuca e a construção de apartamentos de luxo na Lagoa Rodrigo de Freitas, após a derrubada da Favela da Catacumba, na década de 1970, que transferiu famílias pobres e carentes para a Zona Oeste, região sem infraestrutura e bastante longe dos locais de trabalho. Nesse contexto, não resta dúvida que o projeto Favela-Bairro dos anos 1990 representou alguma mudança em relação à política habitacional excludente dos anos de 1960 e 1970. E no desenho dos contrários, tecido e revigorado em tantos tempos, a paisagem geográfica evidenciava a deterioração da cidade pelo crescimento urbano rápido e desordenado, a exclusão social, a precariedade dos serviços públicos, a carência nas áreas de educação e saúde, o ‘poder paralelo’, a forte especulação imobiliária associada aos interesses corporativos do capital e a repressão policial truculenta. Os problemas urbanos e sociais da “Cidade Maravilhosa” se expõem pari passu a um projeto político que sempre excluiu os deserdados do sistema e continua reprimindo as manifestações sociais, como se não existisse o Estado de direito e a garantia constitucional de respeito às liberdades individuais e coletivas! Tudo aponta para a quebra de valores caros à cidadania e o desrespeito à gestão da “coisa pública”, colocando em xeque o próprio significado de República. Nesses tempos inquietantes em que vivemos, pretensamente ahistóricos, defrontamo-nos a cada passo, a cada momento, com a “cidade partida”, de Zuenir Ventura, ou “em cada ribanceira uma nação”, de Chico Buarque. As aceitáveis diferenças entre pobreza e miséria, segundo os padrões capitalistas e burgueses, estreitaram-se cruelmente durante os longos anos da ditadura militar e prosseguiram, com certas diferenças, na chamada Nova República. O mundo da favela afirmara-se em uma atitude de franca negação aos supostos valores civilizatórios do mundo do asfalto. O que fazer diante de projetos urbanos que ousam não enfrentar a segregação sócio espacial e optam por reproduzir a “cidade murada” e a “cidade civilizada” para reinventar a tradição da boa sociedade, dentro de uma perspectiva militarizada de segurança pública? As sucessivas obras da prefeitura do Rio de Janeiro celebram a consolidação de uma modernidade, ainda que tardia. Porém, a liberdade e a própria civilização, no que esta implica em vitória dos direitos humanos e em assertiva contumaz de humanização do povo, ficam postergadas, mais uma vez, para o futuro. Na busca de alternativas à liturgia política oficial – baseada em uma visão excludente de desenvolvimento, de segurança pública e de reconstrução do espaço coletivo –, a democratização da urbes carioca representa uma utopia a ser apre(e)ndida enquanto desejo, conforme Jameson . Desejo legível em filigrana que possibilita refazer o nosso olhar na perspectiva da inclusão que aproxima e congrega ao invés de exilar muitas pessoas e/ou grupos de seu próprio lugar. Até porque a força das armas não poderá, como no passado, destruir mobilizações sociais e fazer terraplanagem da arena política. Perceber a cidade onde vivemos como local por excelência de disputas e de resistências pode oferecer experiências de pertencimento a uma certa tradição cultural que precisa ser continuamente apreendida e questionada. E, também, permite recuperar o necessário significado de historicidade que permeia a compreensão desse lugar para transformá-lo em um espaço de (con) vivência efetivamente democrático, no qual possamos colher os frutos de tantos plantios de diferentes mãos de todos os dias em diferentes tempos. É de uma outra visão da cidade do Rio de Janeiro que tentamos aqui esboçar aos leitores. Uma aventura pelo passado para reconhecê-la como território que conforma processos identitários.. Continue