A Cidade do Rio de Janeiro - Entre Histórias e Vivências
“
As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o
fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as
suas perspectivas enganosas, e que todas coisas escondam uma outra coisa. (...).
De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a
resposta que dá às nossas perguntas.” Ítalo Calvino. As cidades invisíveis, 2008.
articulava e se exercia o poder da metrópole, levantaram-se fronteiras, mesmo que nem sempre visíveis, entre a “cidade dos europeus” e a “cidade dos aquilombados”. Isso configurou a urbes dos contrários que tanto atemorizaram
a elite branca e proprietária – os portugueses de cá que, em outro tempo, iriam selar uma aliança com os Bragança para assegurar a ordem escravocrata e
fundar a Nação brasileira.
A cidade do Rio de Janeiro, que já foi o coração político-burocrático do BraPara além das questões econômicas, um projeto político delineou-se na época
sil, é considerada uma dádiva da natureza. A “Cidade Maravilhosa” !?
pombalina e concretizou-se com a vinda de D. João VI no ano de 1808, qual
Imortalizada por artistas, poetas, músicos, carnavalescos, especialistas, quais seja: transferir o Império Português para os trópicos, longe das inquietações
sejam, ela é vista como uma das cidades mais belas do mundo. Cidade cosmo- e temores que estavam sacudindo a Europa desde a segunda metade do século
polita aberta ao turismo e aos transeuntes. Aquela que ora seduz e cativa pela XVIII e, assim sendo, transformar a cidade do Rio de Janeiro na “Nova Lisalegria e pelo samba; ora oferece um encontro inusitado entre praia e mon- boa”. Ministros e conselheiros, influenciados pelas Luzes, planejavam fundar
tanha; ora atemoriza pela “violência urbana” e pelas “mazelas sociais”; ora é um novo Império que exibisse prestígio monárquico e garantisse segurança
aos súditos, qualidades que há muito n ão existiam mais no Velho Reino.
vista como espaço de virtudes e de vícios.
O projeto de criar um Império na América tornou-se realidade, sob os auspícios da Inglaterra que, nesse tempo, era a “rainha dos mares” e a oficina industrial do mundo. A nobreza lusitana chegou na colônia e a cidade do Rio de
Janeiro, a nova sede do Império Português, exibia, aos olhos da elite, o prestígio e a importância de uma capital europeia. Sem dúvida, a instalação da Corte
joanina transformou a cidade em um importante centro político, econômico,
social e cultural, dentro do qual a maior parte da população, aqueles excluíEnfim, ao compreendermos a urbes como exercício da nossa própria condição dos do acesso à propriedade ou escravizados, não participou.
humana, torna-se possível perceber o Rio de Janeiro como espaço que é socialmente (re)construído. Espaço-tempo de contrários ou de metáforas que o Conquistada a autonomia política, a elite senhorial pretendeu organizar o Esqualificam. Porquanto a ordem e a desordem; a elite e o povo; o bem e o mal; tado Nacional com o objetivo de transformar a Monarquia, a única na América
o mundo do asfalto e o mundo da favela; a casa e a rua; a civilização e a bar- do Sul, em um modelo político equiparável às formas de governo das nações
bárie; a segurança e o perigo; a escassez e a abundância; os homens bons e a modernas e civilizadas da Europa. E ainda – caberia a essa elite a difícil obra
turba, por meio de vivências do nosso cotidiano, se entrelaçam e forjam um de construir e legitimar uma Nação definida pelo “corpo branco”, a fim de legitimar a “boa sociedade” demarcada pela e na escravidão através de um acorlugar para a nossa humanidade.
do entre senhores. O objetivo crucial era resguardar a propriedade associada
No período colonial, o Rio de Janeiro articulava dominação metropolitana e à defesa da unidade político territorial do Brasil e driblar a insegurança repcentro portuário, onde se intercambiavam mercadorias e ideias entre os “dois resentada pelo medo de que a sublevação escrava no Haiti – símbolo do mal
mundos” atlânticos – o da civilização e o do além mar. A transferência da absoluto – aqui se repetisse, transformando a luta pela independência em um
capital da colônia portuguesa da cidade de Salvador para a cidade do Rio de confronto etnicorracial.
Mais do que essas percepções do imaginário social, propomos aqui, à luz do
presente do passado, repensar essa cidade no âmbito de uma sociedade plural,
solidária e plenamente democrática. E destacar os princípios, hoje bastante
debilitados, de bem comum, liberdade e civismo para ensejar uma interpretação não superficial de cidadania e manter a reflexão sobre o entendimento
histórico social da nossa contemporaneidade.
Janeiro, no ano de 1763, aconteceu por ordem de Marquês de Pombal, ministro de D. José I, em um contexto de crise do Império Português e da maior
importância da colônia americana, quando, dentre outros aspectos, a mineração se transformou no eixo de sobrevivência da economia escravista e, logo,
da própria metrópole.
Ao longo da dominação colonial, os homens bons e os funcionários reais tiveram que enfrentar os inimigos externos – outras potências interessadas
grosso modo na expansão de territórios e nas riquezas do Pindorama – e os
inimigos internos – os “negros da terra” (os índios) e os “negros da Guiné” (os
africanos). Se a cidade, naquele momento, era o lugar por excelência onde se
Na segunda metade do Oitocentos, assistiu-se a uma maior urbanização do
Rio de Janeiro graças à sua posição político administrativa e ao boom do café.
A cidade, sede do poder central, transformou-se também em centro econômico, sob o controle dos “barões de café” – a aristocracia fluminense encastelada
no Conselho de Estado. A casa associada à liberdade estava protegida sob o
manto da autoridade imperial contra a rua identificada à desordem.
A posição da urbes carioca como espaço de dominação da Corte Bragantina e pólo da economia cafeeira, além da sua condição de maior porto
exportador e importador, explica a sua importância na vida política do
Império do Brasil.
Licenciada e Bacharel em História pela PUC-RJ. Mestre em História do Brasil pelo Programa de Pós-Graduação de História
da UFRJ. Doutora em História pelo Programa de Pós-Graduação de História da UERJ. Professora do Colégio Pedro II / Campus Humaitá II. Professora Supervisora do Programa de Residência Docente da Pró Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
do Colégio Pedro II em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro da
Secretaria Executiva e Parecerista da Revista Encontros do Departamento de História doColégio Pedro II. Colaboradora
da Área de Humanas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais AnísioTeixeira (INEP/MEC). Consultora
Acadêmica/ Parecerista ad hoc de materiais didáticos do Programa FGV Ensino Médio Digital da Fundação Getúlio Vargas,
RJ.