A Voz dos Reformados - Edição n.º 169 Janeiro/Fevereiro 2021 | Page 6

Saúde
6 A Voz dos Reformados | Janeiro / Fevereiro 2021

Saúde

O papel do clínico geral

Margarida Lage
Médica
Houve tempo em que a designação de clínico geral subentendia um médico sem especialidade . O licenciado em Medicina inscreviase na Ordem dos Médicos e , após o seu estágio , podia exercer clínica livremente e , caso pretendesse , concorrer para a entrada na especialidade só compreendia a duas carreiras : a Carreira Hospitalar e de Saúde Pública . Esta era exercida em centros de saúde , ditos de primeira geração , organizados por valências que funcionavam de forma vertical e na vertente preventiva : vacinação , saúde materna , saúde infantil , planeamento e cuidados de saúde primários . Os cuidados curativos extra-hospitalares eram prestados predominantemente em postos clínicos dos serviços médico-sociais ( caixas de previdência ) que persistiu até 1983 .
Saúde para todos Em 1978 realizou-se a Conferência Internacional de Alma-Ata ( URSS ), de onde emanou a declaração da necessidade de criação de sistemas de saúde em todos os países de modo que em no ano de 2000 estivesse assegurada saúde para todos . Segundo as conclusões desta ampla reunião , a Saúde ficou definida como : bem -estar físico , metal e social e direito humano fundamental . Em Portugal a Lei 56 / 79 concretiza o direito à proteção da saúde , prestação de cuidados de saúde e o acesso a todos os cidadãos , independentemente da condição económica e social , nos termos da Constituição Portuguesa de 1976 . Em 1981 teve início o primeiro internato médico de Clínica Geral , que terminou em 1983 e formou os primeiros especialistas de medicina geral e familiar . Ainda em 1983 , os primeiros centros de saúde foram integrados com os numerosos postos dos antigos serviços médicos-sociais (« caixas »). Este processo de fusão ( centros de saúde de segunda geração ) conduziu a uma maior racionalidade , mas ainda não suficiente . Em pouco tempo , Portugal atingiu e manteve um lugar cimeiro no que se refere a indicadores de saúde : desceu a taxa de internamento ; subiu a esperança de vida saudável ; desceu a taxa de mortalidade infantil no primeiro ano de vida .
« Especialistas da generalidade » A candidatura ao internato de medicina geral e familiar ( MGF ) fazse por concurso de provas , que dá acesso a qualquer outra especialidade . Verifica-se que a especialidade MFG não é , em geral , das mais pretendidas , quer pela compensação económica , quer pelo prestígio da especialidade perante os seus pares e a população em geral . O atual médico de clínica geral está preparado para o papel que lhe é conferido : primeiro e principal interlocutor com o seu doente / utente . O médico de família , ou , como em alguns países se prefere denominar , médico de família e comunidade , atende pessoas de todas as idades , de maneira continuada e integral , e trabalha em equipa interdisciplinar , com outros especialistas cujo suporte seja necessário . São , digamos , « especialistas da generalidade », com competência adequada ao acompanhamento básico dos seus pacientes , abrangendo , preferencialmente , todos os elementos de uma família , nas perspetivas : preventiva e curativa ; física e emocional ; de todos os estratos etários .
Terceira geração Em 1999 foi publicada a legislação sobre os « centros de saúde de terceira geração ». Esta aparece na sequência de experiências sobre o terreno – « projetos Alfa » e outras iniciativas semelhantes , baseados numa filosofia de « prática de grupo ». As unidades operativas dos novos centros de saúde pressupõem um processo de mudança organizacional que não pode ser implementada pela via normativa clássica mas a sua realização dependerá essencialmente da capacidade de despoletar uma dinâmica de mudança em cada centro de saúde e de proporcionar acompanhamento e apoio técnico a esses processos de mudança locais .
Lei de Bases da Saúde Em Setembro de 2019 foi publicada a Lei de Bases da Saúde ( Lei n .º 95 / 2019 ). Permito-me destacar o n .º 1 da Base 1 « Direito à proteção da saúde »: « É o direito de todas as pessoas gozarem do melhor estado de saúde físico , mental e social , pressupondo a criação e o desenvolvimento de condições económicas , sociais , culturais e ambientais que garantam níveis suficientes e saudáveis de vida , de trabalho e de lazer ». Por este parágrafo , podemos perceber que tudo « mexe » com a nossa saúde , da qual o médico de clínica geral é apenas uma peça do puzzle da saúde de todos e de cada um . Mas uma peça fundamental e imprescindível . Se se sentir doente , pode contar com o seu médico / a de família . Ele / a vai ouvi-lo e observá-lo . Se necessário pedirá exames complementares de diagnóstico e pedirá pareceres a outros especialistas . Terá em conta a opinião do seu doente e será a pessoa indicada para aconselhar comportamentos e , se for caso disso , prescrever fármacos . Mesmo que se sinta bem , vá periodicamente ao seu médico de família . Há patologias que , antes de dar sintomas podem e devem ser detetada para uma melhor e mais precoce intervenção . Confiança e boa relação médicodoente são essenciais para a saúde de todos e de cada um .
Subtítulos da responsabilidade da redação do jornal « A Voz dos Reformados ».
FUNDAÇÃO PORTUGUESA DO PULMÃO

Espirometria – o que é ?

José Miguel Carvalho
Médico
A espirometria é um exame que permite medir a quantidade de ar que é inspirado e expirado e a velocidade com que ele flui . Nas doenças respiratórias , a quantidade de ar que entra e sai dos pulmões pode estar reduzida porque eles não se distendem como é normal – por exemplo nas fibroses ( como a silicose ) – ou a quantidade de ar circulante está reduzida porque os brônquios estão estreitados – como acontece , por exemplo , na asma brônquica e na doença pulmonar obstrutiva crónica ( DPOC ). Se nos cansamos , sentindo falta de ar , as causas podem ser por diversas : cardiovasculares , bronco-pulmonares e outras ; o seu médico tem que avaliar a situação e fazer o diagnóstico e orientar o tratamento .
No caso das mais frequentes causas pulmonares – asma e DPOC – a espirometria , medindo uma parte da função respiratória , consegue caracterizar e quantificar o problema . Nomeadamente nos fumadores de longa data , em que a DPOC se vai instalando lenta e progressivamente , a pessoa vai-se habituando à limitação e só tardiamente valoriza essa redução da sua capacidade respiratória . Fazendo uma expiração forçada para o bocal do espirómetro , registamos o volume desse ar e a velocidade com que ele sai ( ou registando a quantidade no primeiro segundo , ou medindo , durante a expiração , a velocidade a que o ar vai saindo ). A quantidade total , que é a Capacidade Vital Forçada , tem , significado óbvio ; o Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo , se estiver reduzido , significa que há um estreitamente das vias aéreas ( obstrução ). A medida da velocidade com que o ar vai saindo ( débito ou fluxo ) também dá o grau dessa obstrução – se houver um estreitamento das vias , a velocidade do ar estará reduzida . Sabemos que podemos soprar com mais ou menos força ; mas , quando expiramos com a máxima força que conseguimos , esse valor repete-se ( dependendo da idade e altura da pessoa ), sendo reprodutível . Descobrir uma obstrução das vias aéreas é fundamental para despistar os casos de DPOC e os tratar convenientemente , parando a degradação da função respiratória e assegurando um futuro melhor para esses doentes .