A Voz dos Reformados - Edição n.º 165 Maio/Junho 2020 | Page 5

Maio/Junho 2020 | A Voz dos Reformados 5 Atual suspensa perante o surto epidémico Política de desresponsabilização Observando que a pandemia provocou «elevada morbilidade e mortalidade nas pessoas com mais de 70 anos de idade», Pinto André, dos organismos executivos da Confederação, acentuou os lares da terceira idade ou estruturas residen- «Não é aceitável que os idosos sejam discriminados e vejam limitados os seus direitos, liberdades e garantias, e mantidos em isolamento social por tempo indeterminado». Manuel Pinto André ciais para idosos «constituem um componente importante de proteção e de apoio às pessoas idosas num País acelerado envelhecimento populacional». No entanto, o Estado, através da política de sucessivos governos, tem-se desresponsabilizado da criação de uma rede pública de equipamentos de apoio social destinada às pessoas idosas, como o MURPI tem vindo a denunciar. Na sua intervenção, Pinto André condenou, simultaneamente, a proibição das visitas aos lares de idosos, o encerramento dos centros de dia, de convívio e de todas as atividades culturais, desportivas, formativas, de lazer e outras que as associações de reformados, pensionistas e idosos desenvolviam. O Governo impôs, desta forma, o confinamento e isolamento social às pessoas com mais de 70 anos. Mesmo assim, adiantou o dirigente, as associações, em colaboração com as autarquias locais, «O Caderno Reivindicativo do MURPI para 2020 contém medidas importantes na defesa dos direitos dos reformados, desde a valorização das pensões, passando pela defesa do acesso sem taxas moderadoras aos cuidado de saúde, o direito à habitação, à cultura e à mobilidade social, que, pela sua justa concretização, também é um justo contributo na luta contra esta epidemia». Isabel Gomes as autoridades de saúde, da Segurança Social e da Proteção Civil procuraram «dar resposta» às necessidades das pessoas, com bens essenciais, de forma a minimizar os efeitos do confinamento nas respetivas residências. O MURPI, sabendo que nenhuma estrutura ou organização tem capacidade de dar resposta cabal a uma epidemia com estas características, exigiu a implementação de um plano sanitário estratégico de vigilância e apoio às pessoas idosas residentes em lares, envolvendo entidades de Saúde, da Proteção Civil e da Segurança Social. A nossa saúde mental também foi posta em quarentena Anita Vilar Médica psiquiatra Sem aviso prévio, a «desgraça» abateu-se sobre nós e não conseguimos fazer escolhas. O medo, que fez de aviso, foi demasiado intenso e intensificado; todos sabemos que o medo nos torna obedientes. Hoje pode-se pensar que para além da necessidade, das razões que explicaram as medidas tomadas para contermos aquilo que diziam ter um elevado risco para a população idosa, houve um excesso de pânico criado, sobretudo, pelo matraquear das televisões nos números de idosos que adoeciam e morriam, como se fosse necessário torná-los letárgicos, sem vontade, sem força para lutar por aquilo que de repente lhes retiraram de uma noite para a manhã: os centros de dia com as refeições feitas, o calor, o convívio que lhes dava algum consolo no seu dia-a-dia de pessoas sós, algumas mesmo abandonadas. Deixaram-nas entreguem à sua solidão, ao seu isolamento, à sua angústia, para que a doença e a morte chegasse ainda mais cedo ou mesmo sem necessidade. A sociedade, nomeadamente, as autarquias e muito voluntários organizaram-se solidariamente para colmatar aquilo que não fora previsto. Certamente, muitos idosos saíram mesmo em busca de alimentos, pensando que lhes restava essa liberdade mínima de não morrerem à fome. Os idosos na sua sapiência e paciência procuraram não se deixar culpabilizar mesmo quando houve tentativas para tal e demonstraram não só a sua resiliência como também a sua recusa em abdicarem da sua liberdade de decisão. A ansiedade surgiu de forma mais ou menos intensa, depois a depressão, o medo da morte sem ninguém. A insónia, a obsessão com o medo da contaminação e do lavamãos, a angústia de faltar o álcool ou o gel, a falta de apoios psicológicos naquelas semanas intermináveis em que a claustrofobia, o excesso de informações tantas vezes contraditórias, foram as suas companhias. As saudades dos filhos e dos netos; a luta diária de não desistirem, de não procurarem alivio numa bebida alcoólica ou nos calmantes entorpecentes que adormecessem um pouco a dor, a profunda dor sentida. A ansiedade crónica generalizada, o stress-postraumático, a depressão mais ou menos intensa, a insónia, o receio dos espaços abertos, da rua, o medo a deixar as suas consequências. Cada pessoa viveu a sua quarentena de forma única porque a situação foi diferente de caso para caso; na verdade, não estávamos todos no mesmo barco e a primeira classe de um barco nada tem a ver com o porão. Faltaram os apoios psicológicos durante a quarentena e não houve uma informação objetiva onde procurarem ajuda telefónica. Os serviços públicos hospitalares de Psiquiatria e Saúde Mental devem desenvolver respostas céleres e articuladas com os centros de saúde de forma a não deixarem que todas estas perturbações de saúde mental se agravem e transformem em patologias mais graves.