A democracia e seus desafios em tempos de crise 1ª Edição - Outubro 2017 | Page 19
Os direitos, o homem, os direitos do outro homem
Maistre, a ordem universal é comandada por uma mão invisí-
vel e divina. De Maistre retoma aqui os temas agostinianos, que
se reencontram também em Bossuet. Inscrevem-se em seguida
nesta mesma história contrastada o historicismo racionalista de
Constant ou de Comte, o historicismo organicista de Savigny
ou mesmo de Hegel, o extraordinário retorno revolucionário da
crítica contra-revolucionária dos direitos do homem no jovem
Marx, ao qual se deveria associar resolutamente Nietzsche para
quem o movimento democrático, donde provêm os direitos do
homem, ele mesmo herdeiro do judaísmo e então do cristianismo,
promovendo como “consequência da Revolução” a “produção de
direitos iguais, a superstição de ‘homens iguais’” 1 , ridiculariza a
vida mesma no jogo de forças que a constitui. Sempre então, po-
de-se vê-lo nessa sucessão de sequências pós-revolucionárias tão
prematuramente sugerida, é um anti-humanismo, teórico e/ou
prático, que é ele mesmo a reprodução de um anti-universalismo
principial, que organiza esta crítica, e isso até hoje.
Há aí então um embate considerável e interrogações cruza-
das e talvez confusas, se se sonha por exemplo que a recusa da an-
tropologia e a “morte do homem” de ciências estruturais ditas pa-
radoxalmente “humanas” dos anos 60 parecem concordar com a
crítica da abstração humanista que anima e a crítica reacionária
dos direitos do homem, e seu retorno por Marx na Question jui-
ve em particular, segundo uma operação propriamente epocal já
que ela era chamada a engendrar uma florescente posteridade.
Meu propósito não é expor essas posições por elas mesmas nem
empreender uma crítica filosófica aprofundada delas, embora ela
seja ainda necessária. Eu as menciono enquanto elas constituem
um primeiro elemento fundamental na topologia geral da ques-
tão tal como eu gostaria de a tratar pois elas dizem junto o Ho-
mem da declaração de 1789 e sua recusa quase imediatamente
contemporânea, uma afirmação política e ideológica e sua nega-
ção historial.
O outro elemento dessa topologia, se se o desloca do Ho-
mem e de sua morte anunciada em direção à questão do direito
1 Fragments posthumes, Printemps, 1888, 14, 182.
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