A democracia e seus desafios em tempos de crise 1ª Edição - Outubro 2017 | Seite 13
Prefácio
democracia ou a noção do homem como animal político é grega
indubitavelmente, mas a ciência galilaica acabou por destruir a
transcendência tão viva na religião primitiva – e com ela a ética
que lhe era inerente – reduzindo tudo à imanência ou priorizan-
do o material em detrimento do vital. Com isso, a democracia
moderna decompôs a sociedade religiosa, afetando também o
absoluto da vida como princípio originário. A consequência
disso foi que a democracia se colocou, a partir da modernida-
de, contra a religião como reino do indivíduo vivo e concreto e
mais ainda a democracia representativa acabou por extirpar o
particular/individual em benefício do universal/abstrato, além
de ter instalado um abismo entre representantes e representados.
Como resultado disso, as democracias contemporâneas carecem
do valor absoluto do indivíduo ou da pessoa, deixando de respei-
tar sua singularidade e diferença. Por conseguinte, afastaram-se
também da ética, sacrificando os direitos humanos que são ori-
ginários. Como sair desse impasse?
Dirce Solis desenvolve suas reflexões sobre a “democracia
por vir”, explorando, a partir do filósofo argelino-francês Jacques
Derrida, as implicações ético-políticas dessa noção. Descons-
truindo a identidade europeia tal como ela foi tradicionalmente
entendida, contrapõe-lhe a noção de différance para nela incluir
o outro que não se encaixa nos padrões ocidentais. Com a noção
de democracia por vir, Derrida pretende desconstruir os dis-
cursos universalizantes que ocultam interesses particulares
que resultam na exclusão do outro ou do diferente. Mostra em
seguida a corrupção das atuais estruturas democráticas, buscan-
do formas de abri-las para o outro, para o inesperado e para o
imprevisível, assim repensando as instituições, a justiça e a polí-
tica, aproximando-as da noção de democracia inclusiva da qual o
Estado-nação e a cidadania não mais dão conta. Não é este o de-
safio que se impõe não somente às ditas democracias ocidentais,
mas também às jovens democracias latino-americanas instadas
a imitar a xenofobia, a inospitalidade ou a hospitalidade seletiva
e a intolerância das primeiras? Como fazer da inclusão das dife-
renças linguísticas, étnicas e culturais uma realidade aceite nas
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