pretação e restituindo textos e contextos de sua obra a seu tempo,
como é obrigatório para um clássico do pensamento.
No seu livro Modernidades alternativas, o senhor centra sua
análise em três conceitos de Gramsci: hegemonia, revolução
passiva e filosofia da práxis. Especialmente o conceito de hegemo-
nia já foi interpretado das maneiras mais diversas. De que Gramsci
fala quando ele fala de hegemonia? De que maneira esse conceito
permanece atual?
Vou tentar dar um exemplo. Se aplicarmos à história mundial
contemporânea as lentes de Gramsci, o mundo do século XXI aparece
marcado – mais do que pela globalização e por sua crise – por um
conflito econômico que ameaça precipitar-se numa guerra de verdade.
À luz do pensamento de Gramsci, esta situação teve origem na crise
do sistema mundial do segundo pós-guerra – começada nos anos 70
do século passado e culminada com a implosão da URSS – que havia
permitido décadas de estabilidade, e no surgimento de um conflito
econômico mundial que se caracteriza pela crescente discrepância
entre o “cosmopolitismo” da economia e o “nacionalismo” da política.
Em outras palavras, as classes dirigentes não foram capazes de nego-
ciar novos equilíbrios mundiais baseados na simetria entre soberania
política e soberania econômica, precipitando o mundo numa prolife-
ração de guerras voltadas para destruir velhas soberanias políticas e
abrir espaço à mercantilização, e favoreceram o desenvolvimento de
neomercantilismos continentais nas “regiões” economicamente mais
fortes, em crescente conflito entre si. Superado o velho sistema hege-
mônico mundial, não se formou nenhum outro novo e, portanto, volta
à cena a equação entre a política e a guerra.
Gramsci é um intelectual profundamente marcado pelo tempo
histórico em que viveu. Sua prisão talvez seja o melhor exemplo
disso. Em 2017 completam-se 100 anos da Revolução de Outubro,
na Rússia. Qual foi o impacto deste acontecimento na vida e na
obra de Gramsci?
A vida e o pensamento de Gramsci foram marcados profunda-
mente pela Revolução de Outubro e a luta pelo comunismo. Mas o
que caracteriza aquele pensamento foi a capacidade de historicizar
as novidades de seu tempo – Grande Guerra, comunismo, fascismo,
americanismo, desmoronamento dos impérios coloniais, nova
subjetividade dos povos etc. –, elaborando um novo pensamento e
uma nova capacidade política de elaborar projetos que hoje nos
parecem, ao mesmo tempo, uma revisão radical do marxismo e
uma refundação deste mesmo marxismo, projetada num novo
tempo histórico que, acredito, ainda é o nosso.
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Giuseppe Vacca