A crise não parece ter fim PD48 | Page 214

pretação e restituindo textos e contextos de sua obra a seu tempo, como é obrigatório para um clássico do pensamento. No seu livro Modernidades alternativas, o senhor centra sua análise em três conceitos de Gramsci: hegemonia, revolução passiva e filosofia da práxis. Especialmente o conceito de hegemo- nia já foi interpretado das maneiras mais diversas. De que Gramsci fala quando ele fala de hegemonia? De que maneira esse conceito permanece atual? Vou tentar dar um exemplo. Se aplicarmos à história mundial contemporânea as lentes de Gramsci, o mundo do século XXI aparece marcado – mais do que pela globalização e por sua crise – por um conflito econômico que ameaça precipitar-se numa guerra de verdade. À luz do pensamento de Gramsci, esta situação teve origem na crise do sistema mundial do segundo pós-guerra – começada nos anos 70 do século passado e culminada com a implosão da URSS – que havia permitido décadas de estabilidade, e no surgimento de um conflito econômico mundial que se caracteriza pela crescente discrepância entre o “cosmopolitismo” da economia e o “nacionalismo” da política. Em outras palavras, as classes dirigentes não foram capazes de nego- ciar novos equilíbrios mundiais baseados na simetria entre soberania política e soberania econômica, precipitando o mundo numa prolife- ração de guerras voltadas para destruir velhas soberanias políticas e abrir espaço à mercantilização, e favoreceram o desenvolvimento de neomercantilismos continentais nas “regiões” economicamente mais fortes, em crescente conflito entre si. Superado o velho sistema hege- mônico mundial, não se formou nenhum outro novo e, portanto, volta à cena a equação entre a política e a guerra. Gramsci é um intelectual profundamente marcado pelo tempo histórico em que viveu. Sua prisão talvez seja o melhor exemplo disso. Em 2017 completam-se 100 anos da Revolução de Outubro, na Rússia. Qual foi o impacto deste acontecimento na vida e na obra de Gramsci? A vida e o pensamento de Gramsci foram marcados profunda- mente pela Revolução de Outubro e a luta pelo comunismo. Mas o que caracteriza aquele pensamento foi a capacidade de historicizar as novidades de seu tempo – Grande Guerra, comunismo, fascismo, americanismo, desmoronamento dos impérios coloniais, nova subjetividade dos povos etc. –, elaborando um novo pensamento e uma nova capacidade política de elaborar projetos que hoje nos parecem, ao mesmo tempo, uma revisão radical do marxismo e uma refundação deste mesmo marxismo, projetada num novo tempo histórico que, acredito, ainda é o nosso. 212 Giuseppe Vacca