A crise não parece ter fim PD48 | Page 181

extensão, à própria desintegração social. Surge um moderno tribalismo em algumas áreas do Globo. Penso que cada comuni- dade deveria se encarregar, internamente, de divulgar e cultivar suas especificidades culturais, sem que para isso renuncie à comunidade maior, de caráter mais universalizante, cosmopolita. Uma espécie de duplo patriotismo cultural poderia se formar então, apresentando-se como uma opção tanto ao assimilacio- nismo quanto ao isolacionismo. Uma coisa é ser parte de uma luta; outra, muito diferente, é ser uma luta à parte. • A cultura surge da observação da vida em toda sua pleni- tude. Por exemplo, se o exame do ambiente histórico ajuda a entender o comportamento religioso, o mesmo pode ser dito em relação ao próprio ambiente natural em que o homem se insere. O povo judeu, como sabemos, foi forjado no deserto, sujeito a frequentes tempestades de areia. Daí talvez o Antigo Testamento destacar que "dentre todas as obras de Deus nada é mais desco- nhecido para qualquer povo do que o rastro do vento". • Como que para provar que a imaginação dos artistas não tem a realidade por limite, Pablo Picasso desenhou o retrato do seu primeiro filho antes mesmo que ele nascesse. Por essas e por outras é que a Arte é o último reduto das práticas mágicas no mundo contemporâneo. • Pode parecer um paradoxo mas não é: o silêncio é indispen- sável à construção das palavras. A literatura, como a prece, pede recato e recolhimento. Depois, grita. • Em matéria de literatura, tomar partido nunca é o melhor caminho para alcançar seus objetivos. Quanto menos o autor interfere, mais o texto tem a possibilidade de se sobressair. A trama deve falar mais alto. A qualidade artística conscientiza mais do que qualquer panfleto. • Não se pode confundir realismo e descrição sociológica em um texto de ficção. Pois há realismo também na dimensão psico- lógica das personagens do enredo. Mestre Ariano Suassuna foi direto ao ponto: " uma das melhores maneiras de trair a realidade é ser-lhe fiel de modo estreito". • Sobre o peso da literatura: "eu vou morrer e a puta da Bovary vai continuar a viver", teria dito Gustave Flaubert, quando sentia a proximidade da morte. • A Teologia é a estética de Deus. Notas Culturais II 179