A Capitolina 6, junho 2014 | Page 26

problemas crônicos

A literatura infanto-juvenil é um campo tão magnífico quanto inexplorado. Muitos são os seus predicados, mas poucos os seus rebentos. Pouco se sabe sobre os hábitos desse público, salvo os dados que se apuram a partir das listas de mais vendidos e alguns raros ensaios sobre o tema. O que nos deixa com a sensação de que nossos jovens não recebem a atenção devida no tocante a sua formação como leitores. Ficam relegados ao conduto da literatura didática que lhes são impostas ao currículo escolar – aquela engendrada pelos mesmos doutos que elaboraram a genial prova do ENEM, contendo uma questão sobre a “Grande Pensadora Contemporânea Valesca Popo zuda” (SIC). Não obstante ser esta cartilha enfiada goela abaixo dos inexperientes leitores, sem manteiga nem azeite que lhes facilite a deglutição, ainda são inescrutavelmente apartadas do contexto social e cultural de onde vieram. Ensina-se José de Alencar antes de apresentar-lhes Monteiro Lobato; cobra-se Machado antes de saber-se a lenda do Boitatá (ou as histórias e lendas do folclore da região onde vive o sujeito).

É uma dura queda essa maratona para quem sequer aprendeu a dar os primeiros passos. A consequência é que este público pouco lê e o que lê não compreende.

Contudo aquela que é uma das poucas fontes que dispomos sobre a matéria nos diz outra coisa: que muitos jovens leem sim, mas outras obras que não as que se convêm chamar clássicas – aquelas metidas alegremente nas goelas dos leitores infantes e juvenis. Mas se não leem eles obras magníficas e espetacularmente sensatas como Casa Grande e Senzala, do simpatizante à Ku Klux Klan, Gilberto Freire, pergunto eu: o quem leem afinal? Tornemos aos dados das prateleiras dos mais vendidos mais uma vez: nos diz eles que lê-se e lê-se muito, só que apenas aquilo que lhes interessam, com o que se identificam. Harry Potter, Jogos Vorazes e tantas outras obras que tratam de sujeitos como eles: crianças e jovens “especiais”, “os escolhidos”, como os adolescentes costumam narcisicamente enxergar-se, numa viagem de aventuras e descobertas. Isso suscita outra pergunta: O importante mesmo é ler, independente daquilo que se lê? Ou o que vale é cumprir com a modorrenta obrigação de ler-se os clássicos da “literatura universal”?

Acredito seja mister dar-se à obrigação sim e meter-se por entre a selva dos Peris e as naus dos Odisseus. Mas o prazer em ler deve geminar suas sementes antes dessa planta grande e folhuda produzir seus frutos. Por isso faz-se necessário ler o que se gosta, o que se tem vontade. Este é um bom treino da mente leitora. Estabelece-se a intimidade com as palavras, desfaz-se a estranheza com a extravagante língua portuguesa (no caso do Brasil). Como é sabido de muitos, nossa amada língua mãe não é em nada dócil ou facilmente domesticável. Pelo contrário, algumas das estruturas gramaticais mais complexas pululam no seio da Norma Culta da língua portuguesa, se comparada a outras línguas, como o inglês, por exemplo. Acentos agudos para lá, circunflexos para cá; não, aí não se põe crase! Mas há exceções, muitas exceções: exceções com “ex”, exceções sem “ex”. Meta “ss” e já não é mais “exceção” e tornasse “cessão”, que é com “c”; substitua o “c” por “s” e têm-se “sessão”, período de tempo em que se realiza uma atividade. Isso só para pintar um leve esboço do quanto árida pode ser a língua com a qual nos comunicamos.

Naturalmente, há a fase do aprendizado e há a fase de exercer o dever. Do contrário, seria como obrigar crianças a cumprirem com as sofríveis e laboriosas obrigações adultas, antes de serem crianças e se darem àquilo que lhes dão na telha. Portanto, ao menos em seu período de formação, ler é brincar e brincar é aprender a ser grande. Por esta lhes digo: brinquem leitores, brinquem.

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Por Jeff de Paula

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Quem brinca não se Estrumbica