A Capitolina 16
Partindo de um levantamento de dados realizado pelo prof. Dr. Arnaldo Cortina (UNESP – Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara) em seu projeto de pesquisa intitulado “História da leitura no Brasil: 1960-2000”, cujas fontes foram o Jornal do Brasil e o Jornal Leia, pôde-se detectar os livros de literatura infanto-juvenil mais vendidos na década de 1980 no Brasil. Os dados relativos ao período de 1994 a 2004 também foram extraídos de ambos os jornais, e foram complementados pela revista Veja e pela revista Época que, por mais que não publiquem resenhas e matérias sobre a literatura infanto-juvenil, come çaram a publicar no ano de 2000 pequenas listas dos mais vendidos desse gênero. Uma vez levantados esses dados provindos das listas mensais de jornais e de revistas, foi possível chegar aos dez livros desse gênero que mais apareceram na coleta. Para uma melhor visualização da proporção de venda entre eles, propõe-se o gráfico abaixo, primeiramente sobre a década de 1980.
Os números representam quan tas vezes a obra apareceu nas listas mensais do Jornal Leia e do Jornal do Brasil no período de dez anos. Percebe-se, clara mente, uma divisão entre as obras consumidas pelas crian ças – O menino maluquinho (Ziraldo, 1980), Marcelo, marmelo, martelo (Ruth Rocha, p. 1976), Coleção gato e rato (Mary Eliardo França, 1978), Coleção Corpim (Ziraldo, s. d.), O bichinho da maçã (Ziraldo, s. d.), O rei bigodeiro e sua banheira (Audrey Wood, 1989) e Além do Rio (Ziraldo, 1986) – e as obras consumidas pelos jovens – De olho nas penas (Ana Maria Machado, 1985), O mistério do cinco estrelas (Marcos Rey, 1990) e O rapto do garoto de
ouro (Marcos Rey, 1983).
Pode-se notar, ao ler essas obras, uma preferência, por parte da criança dessa época,
por obras de diversos gêneros. A obra mais vendida, O menino maluquinho - assim como Mar celo, marmelo, martelo e O rei bigodeiro e sua banheira - per tence ao gênero comédia que, nesse caso, une o visual com o verbal, o que facilita a compreen
são até mesmo da criança que não sabe ler. As obras infantis que aparecem no gráfi co são o que se pode chamar de inter-relação entre o código visual e o escrito. Ao descrever as características físicas da perso nagem central, o autor faz um revezamento dos códigos, entrelaçando-os. Em O menino maluquinho, além dessa mescla entre o visual e o escrito, há ainda um segundo fator responsável por seu grande sucesso; enquanto o código escrito dá ao leitor o sentido metafórico da palavra, o código
visual dá o sentido literal, o que propicia um toque de humor e versatilidade ao livro.
A hipótese levantada para o fato de esse livro ter sido o mais vendido durante a década de 1980 é o fato de que a obra toca na questão da irreverência das crianças da época, que não são mais comportadas e obedientes como eram antigamente. A personagem do livro mexe com o estereótipo da criança bem comportada e a coloca como ativa. Isso faz com que aquelas crianças que são tão agitadas quanto o menino maluquinho se identifi quem com ele ao ler a obra e, mesmo aquelas mais comportadas, também se divertirão, pois a ousadia e a
alegria da personagem cativam a todos. O que o menino maluquinho faz é uma inversão de valores; na grande maioria dos casos, o menino bom é o menino comportado e obe diente, já o menino mal é travesso e agitado. Com ele ocorre o contrário, pois ele é travesso, agitado e, muitas vezes, desobediente,
no entanto, é uma criança muito bondosa e carinhosa com sua família e seus amigos. Isso é
que provoca empatia no leitor e, conseqüentemente, agrada-lhe.
Percebe-se, portanto que, com exceção de O bichinho da maçã, que pertence ao gênero
natureza/meio ambiente, O rei bigodeiro e sua banheira, que chama a atenção pelas riquíssimas
ilustrações da corte, e Coleção gato e rato, do gênero aventura, em que a palavra assume uma
musicalidade muito próxima à poesia, o tema, dentre todos os gêneros citados, mais recorrente
nas obras mais consumidas pelo público infantil na década de 1980 é a própria criança
e suas descobertas.
Na faixa etária em que a criança lê essas obras, começa seu processo de percepção do
mundo, o que é retratado em Marcelo, marmelo, martelo, onde o menino Marcelo queria dar um
novo nome a todos os objetos à sua volta de acordo com a função que exerciam. O mesmo
ocorre em Além do rio, do gênero aventura, que, embora discorra sobre uma percepção diferente
da retratada em Marcelo, marmelo, martelo, narra uma viagem pela região amazônica,
descrevendo suas montanhas e vegetação, o que faz com que a criança conheça outros hori
livros mais vendidos na década de 1980