A Capitolina 3, março 2014 | Page 6

Como deve

alguém ler um

Livro?

Escrituras

E

m primeiro lugar, eu quero enfatizar o ponto de interrogação no fim do meu título. Mesmo que eu consiga responder a pergunta a mim mesma, a resposta deve se aplicar apenas a mim e não a você. O único conselho, de verdade, que uma pessoa pode dar a outra sobre leitura é não ter nenhum conselho, a seguir seus próprios instintos, a utilizar sua própria razão, a chegar a conclusões próprias. Se isso estiver acordado entre nós, então me sinto livre para colocar umas poucas idéias e sugestões, pois você não vai permitir que elas restrinjam essa independência que é a qualidade mais importante que um leitor pode possuir. Até porque, quais leis podem ser baixadas sobre livros? A batalha de Waterloo foi certamente lutada num certo dia; mas é Hamlet uma peça melhor que Rei Lear? Ninguém pode dizer. Cada um deve decidir essa questão por si mesmo. Admitir autoridades, mesmo que adornadas com peles e mantos, em nossas bibliotecas e deixá-las nos dizer como ler, o que ler, qual valor depositar sobre o que nós lemos, é destruir o espírito de liberdade que é o ar puro desses santuários. Em qualquer outro lugar podemos nos curvar diante das convenções e leis – lá nós não temos.

Mas para desfrutar a liberdade, se a platitude é perdoável, nós devemos com certeza controlarmo-nos. Nós não podemos gastar nossas forças, ignorante e desesperadamente, molhando metade da casa a fim de regar apenas um arbusto de rosas; nós devemos treiná-las, exata e poderosamente, aqui no lugar mais importante. Esta é uma das primeiras dificuldades que nós encontramos numa biblioteca. O que é “lugar mais importante”? Lá, pode muito bem parecer, que nada mais é do que uma conglomeração e um agregado de confusão. Poemas e novelas, histórias e memórias, dicionários e livros de citações; livros escritos em todas as línguas de homens e mulheres de todos os temperamentos, raças e idades brigando uns contra os outros nas prateleiras. E lá fora o zurro do burro, as mulheres fofocando na bomba, o potro galopando no campo. Por onde devemos começar? Como nós podemos trazer ordem a essa multitude caótica e conseguirmos o mais vasto e profundo prazer do que lemos?

5 A Capitolina

por Virginia Woolf

e tradução de Leandro Diniz