ue era uma obra primorosa, digna da referência no 1001 Livros Para Ler Antes de Morrer pela sua importância e contribuição à literatura universal, eu já sabia, mas até abrir o livro e 'viajar' na narrativa do norte-americano Jack London a bordo da escuna Ghost, perpassada inteiramente nos mares do Pacífico, foram-se três anos de espera na estante. Mal sabia o que estava perdendo.
Escrito em 1903, a trama narra a história do ríspido capitão Lobo Larsen, e de Humphrey van Weyden, crítico literário resgatado de um bote à deriva nos mares do Pacífico, pela tripulação da Ghost. Ao ser encontrado, o náufrago destituído de forças físicas pelas agruras do tempestuoso oceano, é acolhido e tratado pelo capitão Larsen. O diálogo flui prazerosamente quando o Lobo revela ao intelectual sobre sua bagagem literária. As menções à grandes nomes da literatura não passaram despercebidos a leitora aqui, porém, durante toda a história, os livros são o único ponto em comum entre o capitão e literato.
Um é completamente o oposto do outro.
Lobo Larsen, homem forte, viril, atroz, sarcástico e violento, trata a tripulação com crueldade e não demora muito para que o até então hóspede, torne-se também um de seus 'escravos'. Nascido em berço de ouro, van Weyden passa a descascar batatas, lavar pratos e a servir a tripulação, por não ter outra opção. Weyden foi testemunha de todas as atrocidades e humilhações cometidas pelo capitão aos outros homens da escuna, e mesmo com tentativas frustradas de se opor àquela situação, no fim das contas entendeu por si que o melhor seria seguir a manda de Lobo Larsen se quisesse um dia voltar a pôr os pés em terra firme.
A escuna Ghost está em busca de peles de focas dos mares gelados do Pacífico Norte. A temporada de caça duraria três meses, e estavam só no início da viagem. Van Weyden passa a descrever o convívio entre aqueles homens e o efeito que a convivência teve sobre sua existência. De nobre, romântico e refinado, torna-se realista, duro, também insensível como aqueles.
Passadas diversas brigas entre os homens, ocorrem algumas mortes, inclusive a do contramestre. Lobo Larsen então promove Humphrey van Weyden à substituição do cargo, trazendo-lhe algumas regalias e destituindo-o da infernal cozinha. Ganha-lhe a confiança, torna-se o braço direito do capitão; Weyden comanda a embarcação em poucos dias, e aprende todo o necessário para a navegação do madeirame em alto-mar. Sua essência ainda intacta, tendo que submeter-se aos caprichos do Lobo, sofre todo o esgotamento físico que o corpo humano suporta e aprende a defender-se em meio aos homens moldados pela severidade.
Eis que, após uma terrível tempestade da qual levou a vida de alguns daqueles homens, um pequeno bote é avistado ao léu. Tratava-se de outras vítimas de um naufrágio, este bote, porém, carregava algo precioso entre os homens que passam maior parte da vida em alto-mar: uma mulher. A bonança depois da tempestade. Ao menos para van Weyden.
A presença feminina na embarcação era, coincidência ou não, Maud Brewster. Quem? Uma das escritoras norte-americanas mais aclamadas e preferida do crítico literário Humphrey van Weyden. E linda como era, despertou também o interesse do Lobo do Mar.
O que se sucede dai por diante, eu prefiro deixar no suspense, mas por favor leitor que neste momento passa os olhos nestas linhas, leia-o!
Isso se você gostar de aventura, misturada a argumentações densas, de cunho psicanalítico, romance, conflitos inteligentes, referências literárias, realismo narrativo e profundas observações comportamentais.
Me surpreendi e muito com as concepções dos personagens principais sobre vida e morte, Bem e Mal, matéria e espírito, fraco e forte. Confronto de personalidades entre os protagonistas desde o princípio da história, marcada pelas palavras bem colocadas em exímia narrativa, falas memoráveis, descrições de ambiente e termos técnicos marítimos, que Jack London bem conhecia.
Q
O Lobo do Mar
Eni Miranda
19 A Capitolina
LONDON, Jack. "O Lobo do Mar". Círculo do Livro. 1979. 221 páginas.