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Julho 2022 | Cidade Nova | 15
Nilson dos Santos
Manifestação de indígenas contra marco temporal em Brasília , em agosto de 2021
“ O adiamento da decisão do STF nos preocupa porque , assim , os povos que estão esperando a demarcação das terras ficam em situação de vulnerabilidade e a gente não sabe o que fazer . Isso abre brecha para a violência !”, afirma Luene Karipuna , comunicadora na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira ( COIAB ). “ Os territórios indígenas que estão próximos a cidades , fazendas e territórios de mineração são os que mais estão expostos a qualquer tipo de invasão ”, reforça a jovem ativista de 23 anos , que mora em uma aldeia no Oiapoque , extremo norte do Brasil .
“ Escrevo para garantir o futuro ”
Para o escritor de livros infantis Kamuu Dan Wapichana , de 53 anos , a própria elaboração do texto da Constituição é questionável . “ O marco temporal diz que nós só temos direito à terra se já estivéssemos nela no dia 5 de outubro de 1988 . Nós sabemos que já estamos aqui desde antes de 1500 . Há mais de 2 mil anos que estamos aqui . O marco temporal fere o nosso direito de existir .”
Foi para dar um sentido à existência que Kamuu passou a escrever . Ele começou contando histórias ao redor da fogueira . “ Eram as histórias dos meus avós . Minha mãe era uma ótima contadora de histórias do povo Wapichana , e eu repassei isso aos meus filhos . A comunidade indígena onde morávamos não tinha acesso à energia . Nossa diversão era ficar em volta da fogueira conversando . Depois de um tempo , eu já tinha esgotado todas as histórias dos nossos antepassados , e meus filhos começaram a cobrar por mais . Eu tive que criar alguma coisa nova , então passei a contar para eles como eu via o nosso mundo , o desaparecimento da nossa cultura , o nosso apagamento : assim nasceu ‘ A árvore dos sonhos ’”.
Por insistência do cunhado , Kamuu colocou a história no papel e
Arquivo pessoal a submeteu para a análise em um concurso de publicações infantis . O livro conseguiu o primeiro lugar e foi publicado de maneira bilíngue . O mesmo aconteceu com “ O sopro da vida ”, seu segundo livro . “ Todos os meus livros são infantis e bilíngues porque eu acredito que temos que manter a nossa língua . Um dos problemas mais graves dos povos indígenas é o suicídio infantil . O que me leva a continuar nessa luta é o futuro dessas crianças . O nosso principal tesouro são eles : os nossos filhos . É pra garantir o futuro deles que eu escrevo ; para que os meus netos possam olhar pela janela e ver ainda uma paisagem verde , para que possam ver todas as maravilhas desse mundo ”, afirmou o escritor .
Kamuu Dan Wapicahana : histórias ao redor da fogueira que se tornaram livros

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