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36 | Cidade Nova | Outubro 2021
Chave de Leitura | Samuel de Souza Neto 1 | revista @ cidadenova . org . br
Você já tinha pensado nisso ?
1 ) O autor é professor livre-docente da Universidade Estadual Paulista ( Unesp ), campus de Rio Claro . Possui doutorado em Educação pela USP e pós- -doutorado em Educação pela CRIFPE ( Canadá ). É pesquisador associado internacional do CRIFPE e pesquisador CNPq , NEPEF , FPCT , DOFPPEN e

Professores : um manifesto

SER PROFESSOR pode ser visto , muitas vezes , como um esporte de combate : “ combate ” contra a ignorância , no mote da Revolução Francesa : redimir a humanidade de sua ignorância – educação para todos ... Sobre “ esporte ”, quando a profissão é vista na dimensão de que o professor tem de driblar sem a bola a socialização do período escolar que cada um carrega como souvenir , acreditando , grosso modo , que ensinar é fácil , uma brincadeira , enfim , não é um trabalho ...
Muitos dos que passaram pela escola tendem a ter uma visão , às vezes , afetiva dos professores que os marcaram ; outros , de ressentimento do que ficou mal resolvido ou de senso comum , como foi dito : ensinar é algo fácil em termos de representação do tipo da refração da luz na água de uma piscina , na qual o fundo da piscina parece que está a três palmos de distância , enquanto , na realidade , a distância é muito maior , podendo morrer afogado se você não souber nadar . Em outras palavras , não podemos matar a educação , o ensino e a aprendizagem com um raciocínio tão simplório . A partir dessa metáfora , podem-se construir , ao estilo de alguns filmes hollywoodianos não sérios , crenças de que qualquer um pode , deslocando a docência de um sentido mais forte , no qual o trabalho docente exige uma obrigação moral , um compromisso social e um rol de competências profissionais , bem como apoio da sociedade , reconhecimento dos pais e um mínimo de entendimento de que ser professor não é um serviço missionário ou de babá . Caso contrário , nos deparamos com a metáfora da indiferença :
“ Primeiro levaram os comunistas , eu calei- -me , porque não era comunista . Quando levaram os sociais-democratas , eu calei-me , porque não era social-democrata . Quando levaram os sindicalistas , eu não protestei , porque não era sindicalista . Quando levaram os judeus , eu não protestei , porque não era judeu . Quando me levaram , já não havia quem protestasse .” ( Martin Niemöller - 1892-1984 / Teólogo protestante alemão ).
Assim , em tempos de crise ( pandemia ), parece que essa indiferença aumenta e queremos que alguém continue a cuidar de nossos filhos por nós , ignorando que , para isso , há necessidade de se assegurarem as condições de trabalho , saúde , equilíbrio etc . ao outro . Mas quase todos estamos à beira de um ataque de “ nervos ” com as crianças em casa .
Tendo esse mosaico como painel e entendendo que o momento é de ação , recorro ao escritor Émile Zola ( 1840-1902 ), emprestando o tema de seu famoso libelo “ J ’ accuse ” ( 1898 ), sobre o caso Alfred Dreyfus ( 1859-1935 ) - incriminado por um conjunto de documentos falsos do qual não era portador , tal como , muitas vezes , se faz com os professores com relação a problemas pelos quais não são os responsáveis diretos , mas inseridos em um conjunto de acontecimentos com os quais o Estado e os pais têm relação direta . Parafraseando Zola ,
... eu acuso ...
As pessoas da universidade que , como eu , ficam mais na reflexão do que na ação , esquecendo-se dos primeiros compromissos assumidos com a profissão .
Os colegas de profissão da rede escolar que , esquecendo-se da ética e da profissionalidade , limitam-se a ocupar o espaço da escola apenas com a sua presença física .
Os colegas de outras áreas escolares que , preocupados com a sua segurança , ignoram o compromisso político de ser professor .
Os diretores de escola , supervisores e / ou diretores ( ex-dirigentes ) de ensino que , esquecendo- -se da época de professores , passam a agir apenas em função das mudanças ordenadas , sem questionar ou refletir sobre as consequências desse ato .
Os pais presentes nos conselhos de escola que participam das mudanças escolares sem questionar nada , dando o seu voto utilitário .
Os pais que mandam os seus filhos para a escola transferindo toda e qualquer responsabilidade de formação apenas à instituição , ignorando seus compromissos de educadores .
Os alunos que vão à escola e não exigem nada de seus professores .
As escolas particulares , que poderiam ter maior autonomia , mas rendem-se às modifica-

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