60df89b06e105184476585pdf | Page 2

Julho 2021 | Cidade Nova | 11
claro e completo de si mesmo e de sua terra , uma vez que as outras culturas não constituem inimigos de quem seja preciso defender-se , mas reflexos distintos da riqueza inexaurível da vida humana . ( 147 )
Na realidade , uma sã abertura nunca ameaça a identidade , porque , ao enriquecer-se com elementos de outros lugares , uma cultura viva não faz uma cópia , nem mera repetição , mas integra as novidades segundo modalidades próprias . Isso provoca o nascimento de uma nova síntese que , em última análise , beneficia a todos , uma vez que a cultura de que provêm essas contribuições acaba por ser também enriquecida .
O mundo cresce e enche-se de nova beleza graças a sucessivas sínteses que se produzem entre culturas abertas , fora de qualquer imposição cultural . ( 148 )
Para estimular uma sadia relação entre o amor à pátria e uma cordial inserção na humanidade inteira , convém lembrar que a sociedade mundial não é o resultado da soma dos vários países , mas , sim , a própria comunhão que existe entre eles , a mútua inclusão que precede o aparecimento de todo grupo particular . É nesse entrelaçamento da comunhão universal que se integra cada grupo humano e aí encontra a sua beleza . Assim , cada pessoa nascida em determinado contexto sabe que pertence a uma família maior , sem a qual não é possível ter uma compreensão plena de si mesma . ( 149 )
Carta Encíclica Fratelli Tutti
REFLEXÃO
Depois de mostrar que existe um fundamento racional e inteligível – o amor ágape – para a construção de um mundo aberto e fraterno , Francisco fala ao coração de todos nós . O coração , entendido no sentido bíblico , é a sede da vida , dos sentimentos e dos valores que movem as nossas ações e condutas .
É com a razão e com o coração que é possível caminhar sempre aberto para com todos ; antes de tudo com os emigrantes , portadores de uma cultura diferente da nossa .
É uma grande oportunidade que a globalização oferece : transformar um “ problema ” em um “ dom ”, em uma “ riqueza ”.
Para isso , é necessário o “ olhar agápico ”, que sabe enxergar no forasteiro um irmão que carrega consigo dons e necessidades . É um kairós do diálogo cultural , capaz de intercâmbio fecundo , gerador de novas sínteses culturais .
Penso que nós , brasileiros , temos , neste sentido , um encargo e quase uma missão para com o mundo inteiro .
Não é nosso país um laboratório onde inumeráveis culturas chegadas de perto e de longe , no sofrimento e na labuta , produziram uma nova síntese , um modo de ver , de aprochegar-se da vida , inédito ? Certamente temos as nossas falhas , desafios , distorções e até erros e abusos , mas é inegável os valores da nossa cultura , fruto de uma mestiçagem de culturas que se integraram em uma síntese nova e única .
A passagem do pessoal para o comunitário desemboca na tensão “ local ” e “ universal ”, ou seja , globalização e localização .
Esta relação é crucial no nosso tempo e deve ser enfrentada com critérios e compreensões originais . Estas duas realidades devem sempre caminhar , sobretudo , em sinergia .
É necessário conhecer e vivenciar as riquezas e os limites de um e do outro para poder desfrutar plenamente dos seus dons .
Um dos elementos fundamentais deste confronto é a consciência de que a própria identidade cultural se fortalece no diálogo criativo com outras diferentes identidades culturais , porque o diálogo sincero é sempre generativo .
Um segundo elemento é a abertura de uma cultura a novas noções e visões , que quase sempre alargam os horizontes .
Um terceiro elemento é a convicção de que o dinamismo histórico , transformando a realidade , exige novas práticas e novos conhecimentos .
Tendo presente estes elementos , será mais fácil conjugar a concretização e a experiência da realidade típicas do “ local ” com a necessária abertura e visão aos valores universais ofertados pelo “ universal ”.
É nessa dialética vivenciada “ agapicamente ” que as pessoas , as culturas , as nações crescem e amadurecem , produzindo frutos em todos os campos da humana existência . Gostaria de concluir com duas citações : “ O homem é um ser fronteiriço que não tem qualquer fronteira .” ( Georg Simmel ) “ Ama a pátria do outro como a tua .” ( Chiara
Lubich ).

Julho 2021 | Cidade Nova | 11