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Abril 2021 | Cidade Nova | 33
Fotospublicas . com / Antonio Cruz / Agência Brasil
Em meados de 2010 , os povos indígenas começaram a receber os auxílios do governo federal , e um programa levou a energia elétrica para muitas aldeias . O cenário começou a mudar desde então . “ Teve início uma relação de consumo que não foi diferente da nossa ”, relata a professora . As cidades mais próximas começaram a enviar barcos carregados de eletrodomésticos . “ Cada família tem , hoje , um ou dois aparelhos celulares usados para tirar fotos , para o ensino tecnológico nas escolas , para baixar jogos e aplicativos de conversa ”, completa .
O kumu ( expressão similar a pagé ), também antropólogo e escritor indígena , Jaime Diakara , do povo Desano , admite que o impacto das novas tecnologias tem provocado mudanças de hábitos nas aldeias , especialmente na transmissão das histórias de forma oral e na formação das crianças sobre o papel das lideranças indígenas . “ Você não vê as crianças perguntarem para os pais quem era a vovó , o papel de liderança da vovó . O pai está sendo trocado por aplicativo .”
Por outro lado , Diakara enfatiza que a cultura é dinâmica e que o fato de as novas tecnologias terem chegado aos povos originários não faz deles menos indígenas . “ A cultura sempre evolui , movimenta conforme o tempo e o espaço . O homem cria e recria . Essas tecnologias chegaram para as comunidades como ferramenta para a educação , pesquisa , divulgação de produtos e da sua identidade . Antes , os nativos só assistiam ao que os brancos faziam , mas agora os brancos começam a assistir à cultura dos indígenas .”
Essa é também a percepção dos jovens indígenas Erimar Miquiles ( Sateré-Mawé ) e Davi Marworno ( Galibi-Marworno ). Eles concordam que as novas tecnologias impactaram o cotidiano especialmente da juventude , deixando-a mais ociosa , dificultando a transmissão da língua e da oralidade e que há um amadurecimento no processo de conscientização de uso da internet nas aldeias . Mas , ao mesmo tempo , defendem que a inclusão digital tem uma importância crucial para o ativismo dessa parcela da população . Antigamente , era preciso
um esforço enorme de juntar as aldeias para denunciar barcos pesqueiros , hidrelétricas e outras intervenções em terras indígenas . Atualmente , com o acesso às plataformas digitais , conseguem se articular e fazer denúncias mais eficazes na internet .
Davi é cineasta e já produziu dois filmes no Oiapoque . Para ele , o momento é de experimentação e cada um tem uma relação com as ferramentas . “ Mas também é tempo de provocarmos os povos : como podemos melhorar nossas escolas , nossos coletivos de artistas , valorizar nossa cultura e nossa identidade . (...) Com o meu trabalho , sinto que é importante valorizar os mais velhos , a língua , o que a comunidade está desenvolvendo e usar isso como combate ao discurso de ódio . São processos de amadurecimento individual e coletivo que estamos desenvolvendo .”
De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil , a população indígena brasileira é formada por aproximadamente 900 mil pessoas , de 305 povos , falantes de 274 línguas .
A relação entre as culturas indígenas e as novas tecnologias demandam reflexão : fenômeno irreversível

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