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passar do tempo, que as coisas mais difíceis caiam no esquecimento. E a dependência química, cair no esquecimento, é um risco enorme para recaída. Então, conto minha história, vou às palestras, conto como é, como foi. As pessoas são muito interessadas, famílias, adolescentes, estudantes... Inicialmente, quando comecei a fazer esse trabalho no Ceará, no projeto “Ceará sem drogas”, me emocionava muito contando a minha história. Chorava, porque era muito forte para mim. Com o passar do tempo, passei a contar minha história com mais riqueza, mais segurança, sentindo o que vem, mas conseguindo me manter, conseguindo lidar naquele momento com a emoção que sentia. Essa é a intenção de escrever o primeiro livro e essa intenção do terceiro também. Na sua visão, o que explica a dependência química? Qual é a chave? No seu caso, o que você descobriu? Além de fazer meu tratamento, comecei a adquirir um conhecimento muito forte de comportamento humano. Porque a única saída que tinha para me recuperar era mudando meu comportamento. Trabalhei muito isso com minhas psicólogas e entendi muito sobre o assunto e psicologia. A base do problema é a compulsão, não é a droga. Posso ser compulsivo por chocolate, compras, jogo, sexo... O problema maior é a compulsão. E essa clínica onde me tratei, eles trabalham nessa linha, a compulsão. Isso aí se descobriu há pouco tempo. Porque, antigamente, tentava se trabalhar a droga. Então, o “cara” ficava um ano internado. Não usava droga, não bebia, mas a compulsão não tinha sido tratada. Ele sai da internação exatamente como entrou: compulsivo. E a partir do ponto em que ele sai e vê tudo acontecendo e tem a compulsão dentro de si, volta a usar aquilo que gosta: jogo, chocolate, compras, sapato... Qualquer coisa. Só que a droga tem um adendo: é química, mexe com seu cérebro. Além da compulsão, tem essa química da droga. Ainda é um tabu falar sobre drogas, especialmente a dependência do álcool, no meio do futebol? No futebol, eles ainda acham que é um universo paralelo ao que vivemos. Vivem dentro de uma bolha. Ali não se fala de racismo, mesmo sabendo que tem, não se fala de homofobia, mesmo Divulgação sabendo que tem, não se fala da dificuldade de se assumir a sexualidade. É um mundo machista pra caramba. Ali não se fala de dependência química, do uso de drogas. O que acontece? De repente aparece um cara pego no doping. No São Paulo FC, o Carneiro, o Rodolfo, goleiro do Fluminense, o Diogo Vitor, dos Santos.... Vai surgindo... Por que que não para de se pegar jogadores no doping com cocaína? Porque não se fala no assunto. Pegou, foi suspenso, punido, saiu e continua o jogo. Ninguém senta para discutir o que acontece no meio do futebol seriamente. A homofobia, o racismo, a dependência química, a violência, a violência contra a mulher. Tivemos recentemente esse caso do Dudu, do Palmeiras. Aquilo acontece, como acontece no mundo todo. No futebol acontece também, mas parece que é um mundo maravilhoso. Só de vez em quando pinga alguma coisa errada. E não é verdade. Acontece coisa errada o tempo todo. Só que o futebol se fecha numa bolha. Enquanto o futebol for tratado como um universo paralelo, os problemas não vão acabar. c Agosto 2020 | Cidade Nova | 7