1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 57
Nos círculos do poder e entre os aliados, acreditava-se que o
governo estava protegido pelo “dispositivo militar” montado por
Jango e respaldado pelo “V Exército” – eram fortalezas inexpugnáveis que seriam capazes de debelar qualquer tentativa golpista e
“cortaria a cabeça” de quem ousasse insurgir-se contra o governo.
Luiz Carlos Prestes chegou mesmo a afirmar, em março de 1964,
que não havia condições propícias para um golpe de direita, mas se
fosse tentado, “os golpistas teriam as cabeças cortadas” (apud
GORENDER, 1987, p. 64). E não faltavam bravatas – Francisco
Julião, deputado pelo PSB e líder das Ligas Camponesas, no dia 31
de março, fez um discurso na tribuna da Câmara dos Deputados,
em Brasília, prometendo ser mais assíduo no Congresso, pois não
havia comparecido no ano anterior (1963) porque estivera ocupado
no Nordeste em organizar as Ligas; e advertia: “Se amanhã alguém
tentar levantar os gorilas contra a Nação, já podemos dispor – por
isso ficamos no Nordeste o ano todo – de quinhentos mil camponeses para responder aos gorilas” (apud CARVALHO, 1979, p.
179). Leonel Brizola, por seu turno, além da retórica agressiva e
ameaçadora, lançava-se à tarefa de organizar os “grupos dos onze”
– caracterizados pelos adversários como milícias – para engrossar
as fileiras do “V Exército”.
O desenlace final e que serviu de mote para os golpistas foi o
discurso imprudente de Jango, na noite de 30 de março, em solenidade promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais da
Polícia Militar, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, interrogando a disciplina e o respeito à ordem constitucional. De certa
forma, o discurso revela o fato de que o presidente, ciente do isolamento e do colapso iminente, tentou ainda uma última cartada
usando o artifício do blefe.
Na sequência, é desfechado o golpe de Estado, tendo à frente
militares, respaldados por uma ampla composição de forças
sociopolíticas.
No instante em que eclodiu o movimento militar pela derrubada do governo, o povo encontrou-se desarmado politicamente
para enfrentar os golpistas, (...) as forças populares viram-se
Crise de poder e espoliação da democracia
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