1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 486
precisamente como meta conter aquele processo objetivo da abertura; pressionadas pela ação de ponderáveis setores da sociedade e
sob o impacto do fracasso da política econômica que impingiram à
nação, as forças do regime tentam canalizar a abertura para uma
simples reformulação do autoritarismo, buscando emprestar-lhe
gradualmente uma forma constitucional. O objetivo é “liberalizar”,
pouco a pouco, a ditadura, ou seja: reconhecer alguns espaços
democráticos conquistados, mas evitar a todo custo qualquer
enfraquecimento do seu monopólio do poder.
Desse modo, permitem em princípio o direito de livre manifestação da sociedade, mas impõem uma lei discriminatória para
regular a vida dos partidos; conservam o Congresso, mas tudo fazem
para impedir o restabelecimento de suas prerrogativas; dizem,
admitir o direito de greve e a liberdade sindical, mas continuam a
reprimir movimentos grevistas e a intervir em sindicatos; programam eleições para 1982, mas tudo fizeram para suspender as que se
realizariam em 1980. O general Figueiredo, sofismando, chegou a
dizer em Minas: “Não há porque temer mudanças nas regras do jogo
político em relação às eleições de 1982, porque quem as muda é o
Congresso e não o presidente da República”. Como se o Parlamento
fosse efetivamente um poder soberano e tivesse autonomia e independência para legislar. Como se não fosse precisamente através
desse Parlamento que se pretendem aprovar medidas casuísticas,
voltadas contra a oposição, tais como a adoção do voto distrital, de
sublegenda para governadores, do voto vinculado etc.
O projeto da “abertura” do regime, em suma, exclui a alternância de poder e visa perpetuar, por meios “constitucionais”, o condomínio no poder de um reduzido grupo. É um projeto elitista, que procura
evitar a participação do povo, de suas organizações, da Igreja. Um
projeto criado pelo “engenho e arte” dos que querem, antecipando-se
às mudanças que a sociedade exige, “reformar para não mudar”. Em
pleno fim do século XX, querem resolver nossos problemas de modo
paternalista. E, mesmo assim, essa tímida “abertura” encontra resistência no seio do próprio sistema, nos chamados “bolsões” extremados, saudosos do emprego único e exclusivo da repressão.
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1964 – As armas da política e a ilusão armada