1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 46

que, como se veria cerca de uma década mais tarde, refletia o declínio e a crise terminal do comunismo do século XX, que retirava o chão e o fôlego do ator da esquerda marxista que melhor se conduzira, estrategicamente, no combate ao regime militar. A hipótese de renovação democrática da esquerda se veria seriamente comprometida pelo enfraquecimento histórico dos comunistas do PCB, bem como pela consequente diáspora intelectual produzida neste campo. Temas como a relação com as instituições formais da democracia, o diálogo com as versões antigas e modernas do liberalismo político, a necessária combinação entre forma e substância da vida democrática sofreram um empobrecimento analítico e prático: à esquerda, alguma coisa essencial ficou perdida inexoravelmente, quando as razões da frente democrática deixaram de ser vigorosamente afirmadas no momento mesmo da vitória deste tipo de política. Ao mesmo tempo, aproveitando com desembaraço – e aprofundando, como é natural – os espaços de liberdade conquistados, passaram a movimentar-se os novos atores da modernização brasileira. Mas esta já é uma outra história, que, a rigor, ainda se desenvolve sob nossos olhos. Cabe apenas dizer que a passagem de bastão entre as duas esquerdas, a que mais acima nos referimos, não foi nada fácil, uma vez que o sindicalismo do ABC – que viria a constituir a espinha dorsal do Partido dos Trabalhadores, com a adesão importante de antigos quadros da esquerda armada – muitas vezes polemizou duramente contra o “politicismo” da esquerda histórica e pareceu querer colocar sem mediações, em estado bruto, “o social contra o político”. Deste ponto de vista, a inegável renovação trazida pelo PT, que se fez impetuosa a partir da década de 1980, teve aspectos problemáticos, que aparentemente afastaram este partido da assimilação crítica do papel republicano e democrático de uma esquerda moderna, à altura da complexidade brasileira. Como se vê, há impasses de quarenta ou cinquenta anos que teimam em se reapresentar, ainda que sob novas vestes, e moldam situações e personagens do presente. Na conjuntura de 1964, a 44 1964 – As armas da política e a ilusão armada