1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 44

brutalidades e do terror de Estado, que se desencadeou metodicamente sobre os diferentes grupos armados e os opositores de modo geral. Uma época que, ainda hoje, merece ser estudada com atenção: o léxico e a sintaxe da clandestinidade, mesmo quando se trata de homens e mulheres valorosos e devotados à justiça social, parecem permeados de intolerância, de defesas extremadas da “linha justa”, de denúncias radicais de desvios e traições, e não poderiam prefigurar uma boa sociedade socialista, ainda que a reputássemos possível. Mais atento à política em sentido estrito, que, mesmo comprimida, continuava a seguir seu curso, o PCB advogava a participação no partido de oposição “consentida” e nos sindicatos existentes; combatia o voto nulo e o desprezo pelo jogo eleitoral, uma perspectiva particularmente preocupante em 1970, com a pregação do voto nulo e da dissolução do MDB; assim como, algum tempo antes, havia participado de articulações importantes, como a da Frente Ampla, que reuniu de forma inesperada Juscelino, Goulart e Lacerda, lideranças civis que se contrapuseram violentamente antes de 1964 e que ora se viam deslocadas do jogo do poder por uma intervenção militar que parecia ter, crescentemente, ambições de afastar os políticos, “subversivos” ou “corruptos”, a fim de remodelar aceleradamente todo o país. É verdade, o regime militar se crispou ferozmente em dezembro de 1968, com o Ato Institucional no 5; e cassações, torturas e mortes se sucederam, como consequência inevitável de todo regime discricionário. Mas ao mesmo tempo, e paradoxalmente, havia eleições regulares. Não se interrompeu o alistamento obrigatório e assim se constituiu paulatinamente um corpo eleitoral em permanente e quase explosiva expansão. No MDB, liberais e democratas se aliaram aos comunistas do PCB e, mais tarde, a várias outras forças de esquerda, uma vez destroçadas as tentativas de luta armada. O voto urbano foi quase sempre, como nas memoráveis eleições de 1974, um voto plebiscitário contra a ditadura. E eleições, como sabemos, são sempre o resultado do deslocamento de camadas e orientações profundas na vida social, não 42 1964 – As armas da política e a ilusão armada