1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 43
Guerra Fria, se preparava para golpear o regime democrático e
intervir radicalmente na vida nacional. Nenhuma crítica ao
próprio Goulart, que, contrariamente ao princípio constitucional, por certo já buscava a manobra da reeleição, na previsão das
eleições de 1965. Nenhuma referência aos diferentes movimentos
sociais, para os quais as reformas de base deviam ser buscadas
provocadoramente “na lei ou na marra”.
Nada disso entrava nos cálculos de novos e velhos atores da
esquerda não pecebista e muitas vezes antipecebista – ao contrário, de acordo com sua visão, a luta pelo socialismo só agora podia
se desenvolver sem as ilusões reformistas de antes. O socialismo
estava na ordem do dia, e da maneira certa. Sem a mediação indesejada da “política democrática”, era uma questão de vontade, de
homens e armas. Por certo, seria desejável contar, paralelamente,
com a luta de massas, mas entendidas, estas últimas, fora de qualquer enquadramento institucional, necessariamente “burguês”.
E, na ausência da luta de massas, podia-se provocá-las mediante o
“foco revolucionário” – de preferência, em áreas rurais afastadas.
Neste ambiente de militarização da política, não havia
apenas as diferentes dissidências do PCB, as quais denotavam,
pela sua origem, a permanência do velho paradigma bolchevique
da revolução como assalto frontal ao Estado. Deve-se observar
que, no plano global, alguns novos casos de sucesso se impuseram
com força aparentemente irresistível, como o da revolução chinesa
e o da revolução cubana. Entre nós, a “guerra popular prolongada”
do maoísmo foi o horizonte estratégico que possibilitou uma teoricamente improvável aliança entre o catolicismo radicalizado de
setores da Ação Popular e os stalinistas do PCdoB, aliança cujo
desfecho foi a longamente preparada guerrilha do Araguaia.
O “foco” guevarista, que devia conduzir à criação de um, dois ou
mil Vietnãs no coração da América Latina, incendiou a imaginação
de vários grupos, que se jogaram de corpo e alma, como Guevara,
no assalto aos céus.
Uma época difícil, como se vê, que também não pode ser
contada em sua inteireza sem referência à infâmia da tortura, das
As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática
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