1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 42
Nada casual, portanto, que, instaurado o regime militar, no
debate que se abre sobre as causas da derrota, as formas de ação
diante do poder arbitrário e as perspectivas de futuro, não se generalizasse em toda a esquerda aquela “frente democrática” que,
mesmo com altos e baixos, se firmava como o núcleo da estratégia
dos comunistas do PCB. Mais grave ainda: numa sucessão muito
rápida de “rachas”, dissidências e cisões, que é muito difícil reconstituir e merece exame à parte, setores inteiros do Partido Comunista, derrotados no debate interno, partiram para o enfrentamento armado com o regime.
Quadros históricos como Carlos Marighella, Mário Alves ou
Jacob Gorender romperam com o “reboquismo” da política pecebista, que afirmava a centralidade da luta propriamente política
contra o regime, e fundaram ou deram substância teórica a grupos
mais ou menos articulados, que tentavam remediar, retrospectivamente, o que consideravam ter sido o “erro essencial” do PCB e das
demais forças nacionalistas e reformistas no pré-64 – vale dizer,
não o abandono da bandeira da legalidade democrática nas mãos
da direita, mas a perda de uma excepcional ocasião revolucionária
por causa de um “desvio oportunista de direita”.6
Nenhuma (auto)crítica quanto às palavras de ordem da
esquerda contra Goulart – a face política da “burguesia nacional”, no jargão dos comunistas –, no momento mesmo em que
uma poderosa coalizão de direita, com sólido apoio nas classes
médias urbanas e sustentação internacional no contexto da
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formas”: cf. Marco Antônio Coelho, “Os erros que cometemos e o que aprendemos
com eles”, em . Acesso
em 16/03/2014.
Jacob Gorender talvez tenha sido, como político e historiador, quem mais nitidamente vocalizou este diagnóstico: “A luta armada pós-64 (...) teve a significação de violência retardada. Não travada em março-abril de 1964 contra o golpe militar direitista,
a luta armada começou a ser tentada pela esquerda em 1965 e desfechada em definitivo a partir de 1968, quando o adversário dominava o poder do Estado, dispunha
de pleno apoio nas fileiras das Forças Armadas e destroçara os principais movimentos de massa organizados. (...) A esquerda brasileira de inspiração marxista só não
pegou em armas quando as condições históricas determinavam que o fizesse” (grifos
no original). Cf. J. Gorender, Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões
perdidas à luta armada, 3. ed., São Paulo: Ática, 1987, p. 249-50.
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