1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 41
a ortodoxia, reafirmando a versão “pura e dura” da revolução de
libertação nacional, típica dos países coloniais, e apontando a
China maoísta como o modelo de nova sociedade a atingir – e,
como era congênito à cultura bolchevique das origens, por meio da
violência revolucionária (Posteriormente, num movimento próprio
desta mesma velha cultura comunista, o PCdoB deslocaria para a
Albânia o paraíso encarnado do socialismo).
As mudanças não eram superficiais, mas não chegaram a
transformar radicalmente o modo de ser dos comunistas no espaço
de tempo relativamente curto entre 1956 ou 1958 e 1964. Além
disso, uma mudança desta ordem só seria possível em situação de
plena legalidade do Partido Comunista, que obrigaria à competição
democrática com seus requisitos inestimáveis de debate e crítica
permanente. Não houve tempo nem condições para tanto – e, aliás,
a subestimação da condição de ilegalidade é um equívoco, há muito
indesculpável, de diversos historiadores que se debruçaram sobre a
trajetória do PCB.4 Por isso, a percepção de que, na conjuntura de
1964, era crucial defender a Constituição de 1946 muitas vezes
faltou ao PCB – mesmo sendo ele a mais moderada entre as forças
de esquerda, considerando aqui não só o PCdoB, mas também setores que se reuniam em torno de Goulart, Brizola ou Julião e suas
Ligas Camponesas, ou, ainda, as novas forças do catolicismo social
e político aglutinadas pela Ação Popular.5
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Este verdadeiro “ovo de Colombo” foi também a observação recorrente de Gildo Marçal Brandão, autor de brilhante ensaio sobre o conflito entre as inclinações militaristas e civilistas do PCB em praticamente toda a sua trajetória. Veja-se, em particular,
o seu livro A esquerda positiva. As duas almas do Partido Comunista – 1920/1964,
São Paulo: Hucitec, 1997.
Dois dos mais destacados estrategistas políticos do Partidão, Armênio Guedes e Marco Antonio Coelho, registraram retrospectivamente as contradições entre as almas
divergentes do próprio PCB em relação ao governo Goulart. Segundo o primeiro, “no
embate entre Jango e seu mais feroz opositor, o governador da Guanabara Carlos
Lacerda, da UDN, Prestes achava que o PCB podia ficar no meio da briga e sair ganhando o poder que sobraria depois da mortal briga entre os dois lados”: cf. Sandro
Vaia, Armênio Guedes – sereno guerreiro da liberdade, São Paulo: Barcarolla, 2013,
p. 80. Por sua vez, em 2004, em conciso e precioso texto escrito para o quadragésimo
aniversário do golpe militar, o segundo dirigente lembra, com a precisão de um protagonista, que, “dois meses antes do golpe, a direção do PCB declarou que este partido
situava-se como ‘oposição ao governo de Goulart’, argumentando que este desenvolvia uma política de conciliação com setores políticos não comprometidos com as re-
As esquerdas, a ditadura e o problema da frente democrática
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