1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 372

o que prioritariamente se tentava nestas obras era a construção de uma identidade, com heranças e lições para o futuro. Ao nos lembrarmos da experiência da ditadura, temos vários olhares, várias reflexões, e o que se apresenta neste texto é, acima de tudo, o desejo de que se preserve e se refaça o sentimento de resistência cotidiana que é necessário para as relevantes mudanças históricas. Se pensarmos que a função do Estado em uma sociedade de classes é manter sob controle o conflito das classes antagônicas e impedir que este conflito desestruture tal modelo de sociedade, o golpe militar de 1964 foi, antes de tudo, uma estratégia para a manutenção do status quo da estrutura burguesa. Pensando rapidamente as transformações que ocorreram na organização do Estado brasileiro, podemos observar que, durante o processo de criação deste Estado-nação, o Brasil se organizou primeiramente como um Estado escravista, isto é, um Estado que não reconhecia por meio do direito um tratamento de igualdade aos desiguais e que determinava duas ordens: a ordem dos escravos e a ordem dos homens livres. Deste período, uma das heranças mais visíveis para a formação da sociedade brasileira são os efeitos ideológicos produzidos, pois se disseminou na forma de pensar da elite a convicção de que é natural submeter integralmente determinadas pessoas. Já nas classes exploradas, foi também interiorizado o sentimento de naturalidade da obediência e da submissão. Neste sentido, a estruturação do Estado burguês, a partir da conclamação do Estado de direito, teve esta herança como componente auxiliar de submissão da classe trabalhadora. A proclamação da República, o fim da escravidão e a industrialização trouxeram o Brasil para a modernidade e para o progresso. De 1889 até hoje, o Estado burguês brasileiro passou por vários regimes políticos, democracias representativas pluripartidárias, governos provisórios e ditaduras que tiveram como semelhança sucessivas burguesias internas incapazes de lutar contra a política imperialista do capitalismo mundial e uma consequente capacidade conciliatória forjada pelo desejo de lutar em prol da democracia. 370 1964 – As armas da política e a ilusão armada