1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 37

AS ESQUERDAS, A DITADURA E O PROBLEMA DA FRENTE DEMOCRÁTICA Luiz Sérgio Henriques1 Posso, sem armas, revoltar-me?2 B astante razoável é a ideia de buscar nos anos 1960 e 1970 as origens da política contemporânea brasileira e de muitos atores e dilemas ainda atuais. O movimento de 1964, num caminho que não estava inexoravelmente dado desde o começo, paulatinamente se mostraria como algo muito diferente de um clássico pronunciamiento militar latino-americano, que se realiza, não sem crueldade, a partir da deposição de um presidente constitucional, mas de tendências “populistas”, seguida da entronização de algum “ridículo tirano” e do furor contra os suspeitos de sempre. Ao contrário, como muitos analistas já assinalaram, aquele movimento seria o ato inicial de uma intensa “modernização conservadora” de nossa sociedade, comprimindo para tanto a vida política dentro de limites cada vez mais estreitos, especialmente entre 1968 e 1974, ano em que teve início a “abertura lenta, segura e gradual” do regime dos generais – e que terminou sendo mera tentativa de controlar, sob a forma de recuo organizado, um processo social democratizante fundado, paradoxalmente, nos próprios resultados da modernização “pelo alto”. De fato, com o ciclo militar nada ficaria como antes. Mesmo conservadora, a experiência brasileira não teve nada de desindustrializante ou voltada unicamente para o passado, ao contrário de outras experiências vizinhas, em particular a ditadura argentina instaurada em 1976, e produziu como resultado uma economia e 1 2 Ensaísta, tradutor, editor do site Gramsci e o Brasil (www.gramsci.org) e vice-presidente da Fundação Astrojildo Pereira. A flor e a náusea, Carlos Drummond de Andrade. 35