1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 369

nunca chegaram ao generalato. Nem um único. O Ustra fez todos os cursos do Exército, em primeiro lugar. O Ustra nasceu para ser general da ativa. Fez tudo direitinho, tudo certinho. Um homem íntegro, limpo. Olha só o destino desse homem: na antevéspera de ser promovido a general-de-brigada, acontecem duas desgraças na vida dele. A primeira foi aquela solenidade em Montevidéu, onde a deputada federal Bete Mendes, dedo em riste, o apontou como torturador. Ele foi recolhido para Brasília. Na mesma antevéspera, Ustra fez o que nunca tinha feito na vida. Veste uma camisa da UDR, sai na rua e é fotografado pelo serviço reservado. Ele se aposenta. Azar! Azar! O Ustra não tem um metro quadrado de terra, não é fazendeiro, não tem sítio, chácara nada. A troco de que Deus permitiu que ele enfiasse aquela camiseta da UDR e fosse lá pro comício da UDR, e lá aparece um filho da puta que diz: Pô, aquele não é fazendeiro, nem peão de fazenda, aquele é o comandante do DOI-Codi. Nós vamos promover esse homem a general? Não! De todos nós, ele era o único que seria promovido a general. E não foi por causa da acusação da Bete Mendes. Está aí um outro, o Aparecido Laerte Calandra,11 um homem que só trabalha, não tem um ato de corrupção.12 Percebemos, nesta parte do depoimento, que não existe arrependimento por parte do torturador. As únicas lamentações estão relacionadas à questão econômica deles. Procuramos em nossa análise, primeiramente, evidenciar um possível perfil da esquerda brasileira durante a ditadura dos anos 60 e 70, abordando em especial a parcela da esquerda envolvida no conflito armado, ou seja: que optou pela guerrilha para combater o regime opressor. Dessa maneira, foi evidenciada a inexistência de uma esquerda una e homogênea, composta, pelo contrário, por diversos grupos que, em muitos casos, guardavam poucas semelhanças e muitas divergências entre si. A luta armada foi a alternativa encontrada por diversos militantes que vislumbraram uma falta de perspectiva de lutar utili11 Delegado de polícia civil de São Paulo, incluído na lista dos torturadores com o nome de capitão Ubirajara. 12 CARVALHO, Luiz Maklouf. Op. cit., p. 315. Violência na ditadura contra mulheres 367