1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 352

do Estado”. O lema dos policiais era de que cada companheiro morto no cumprimento do dever, “tinha de corresponder já não o sacrifício de quem lhe roubara a vida, mas o de dez marginais” (BICUDO, 1976, p. 27). Se essas arbitrariedades ocorriam nas ruas com a complacência das autoridades públicas, as pessoas tidas como marginais também eram submetidas a vários tipos de violências quando eram detidas e submetidas a interrogatórios. O entendimento dos policiais era de que somente seria possível arrancar o “serviço”, extrair as confissões, se as pessoas fossem penduradas no pau-de-arara. No pós-1964, apareceu uma novidade que pode ser claramente identificada a partir de uma expressão escrita em letras enormes na entrada dos elevadores do prédio do Departamento de Investigações da cidade de São Paulo: “Contra a Pátria, não há direitos” (SOUZA, 2000). Era com esse procedimento investigativo que se “extraía” a verdade, que fazia o detido “dar o serviço”. Alguns não resistiam às torturas e morriam. Os torturadores se encarregavam de apagar todo o vestígio de crime. Depois enrolavam os mortos dentro de tapetes, retiravam do prédio e os jogavam em qualquer ponto da cidade. Os cadáveres engrossavam a lista dos crimes misteriosos. “Nascia, assim, com prisioneiros comuns, a cultura dos desaparecidos”. Anos depois do golpe, seria a vez dos prisioneiros políticos desaparecerem. Como diz Percival de Souza (2000, p. 30), a escola era a mesma. Embora os policiais estivessem agindo fora da legalidade, autoridades – como o Secretário de Segurança Pública de São Paulo – alegavam que os “marginais deviam ser perseguidos para que os homens de bem tivessem tranquilidade”. O Governador do Estado, em entrevista a um programa de grande audiência, questionava aqueles que faziam críticas à ação policial: “Quem é que está no front, quem é que está na frente da briga, quem é que sobe numa favela para pegar um marginal? É um juiz togado, é um promotor pequeno, grande, seja do tamanho que tiver, para ir lá? Não. Quem sobe é um policial da Polícia Militar ou um da Polícia Civil, que arrisca a sua vida e o sustento da sua família” (Apud SOUZA, 2000, p. 73). 350 1964 – As armas da política e a ilusão armada