1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 350
muito, no início da década de 1970, pois o tráfico, que era visto
como de responsabilidade das pessoas que moravam nas favelas e
bairros populares, transformou-se em assunto de segurança nacional, crescendo o número de envolvidos por denúncia anônima e
também em blitzens.
Com essa política de combate a inúmeros comportamentos,
ocorreu o aumento do aprisionamento das pessoas, tanto que, no
final da década de 1960, muitos presídios já estavam com sua capacidade acima do permitido. Em São Paulo, os relatórios da Procuradoria de Justiça feitos junto às Promotorias Públicas do interior
do estado constataram que a maioria das cadeias públicas apresentava número de detentos superior à capacidade normal. De
acordo com estes documentos do aparato repressivo-judicial,
alguns estabelecimentos estavam de “forma calamitosa”. Alípio
Silveira, um dos mais envolvidos com o tema penitenciário do país,
escreveu em 1973 que inúmeros presídios brasileiros estavam
superlotados. Para aquele ano, havia 53 mil mandados de prisão,
sendo 27 mil na capital e 26 mil no interior do estado de São Paulo.
Conforme expusemos anteriormente, fazia-se uma associação entre os bairros periféricos e favelas com a criminalidade.
Podemos encontrar desdobramento dessa percepção na exposição
de Heleno Claudio Fragoso (1973), criminalista que realizou
pesquisa e escreveu inúmeros artigos criticando o funcionamento
do sistema do país durante os governos militares. Em trabalho da
década de 1970, denunciava que os pobres que viviam nas favelas
eram os alvos prediletos do aparelho repressivo policial-judiciário
e, quando colhidos, eram virtualmente massacrados pelo sistema.
Fica claro, portanto, que as agências estatais claramente
atuavam com discricionariedade em relação aos setores vulneráveis. Neste caso, o regime militar tinha seus olhos voltados para os
grupos que residiam nos bairros populares e favelas. Por isso, René
Ariel Dotti (1979, p. 99), nesse mesmo período, denunciava que o
direito penal é considerado o “direito dos pobres não porque os
tutele e proteja, mas porque sobre eles, quase exclusivamente, faz
recair a sua força e o seu rigor”.
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