1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 337
dosamente num caderninho, para posterior chantagem”. Irônico,
acrescentava: “A ideia do purgatório nasceu desse caderninho”.
Reunindo a nata da intelligentzia progressista brasileira da
época, com colaboradores do calibre de Otto Maria Carpeaux,
Nelson Werneck Sodré, Celso Furtado, Roberto Schwarz, Octávio
Ianni, Antônio Houaiss, Leandro Konder, M. Cavalcanti Proença,
José Ramos Tinhorão, Hermano Alves, Haiti Moussatché, Alex
Viany, Joel Rufino dos Santos, em meio a tantos outros mais de
igual medida intelectual, a RCB, cujo primeiro número teve a tiragem de 10.000 exemplares esgotada em apenas 25 dias, mapeou,
pode-se dizer, a vida cultural e política brasileira dos anos 1960
como nenhuma outra publicação do gênero entre nós o fez. Ainda
nesse primeiro número, a revista denunciava, também na forma de
dossiê, para desalento dos que esperavam vir dias melhores, em
reportagem de 58 páginas, o terrorismo cultural que devastava o
país. O relatório das infâmias cometidas contra o pensamento crítico
começava com as palavras irônicas do líder católico Alceu Amoroso
Lima, extraídas de seu livro Revolução, Reação ou Reforma?: “Até
hoje nunca tive medo do comunismo no Brasil. Agora começo a ter”.
O dossiê, a certa altura, fazia uma observação cuja pertinência
em nossos dias é inegável, e necessária ressaltar, à medida que aqui
e acolá vem aparecendo um certo revisionismo histórico no sentido
de mostrar que a ditadura implantada no Brasil a partir de 1º de
abril de 1964 foi, na verdade, “branda”. Transcreva-se a passagem:
“Uma coisa precisa ficar bem clara: o golpe de abril não foi manso,
muito ao contrário, foi sangrento, terrorista e brutal. A ilusão de que
foi manso deriva do fato de que foi ganho sem luta armada. Mas é
isso, precisamente isso, que caracteriza a sua brutalidade, a sua
violência, o seu traço sanguinolento e terrorista”.
A compilação de alguns fatos ilustra a brutalidade, a violência, a sanguinolência e o terror do regime de 64: jornais, revistas e
livros apreendidos. Professores apeados de suas cátedras e presos.
O campus da Universidade de Brasília invadido por tropas de baioneta calada. O prédio do Iseb depredado, ato do qual não houve
registro fotográfico, mas foi testemunhado por muitos. Livros
Memórias de um tempo de barbárie
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