1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 336
diante do obscurantismo recém-imposto ao Brasil. A revista se apresentava como meio para tanto, mediante seus colaboradores, permanentes ou ocasionais, todos com “algo de oportuno e de importante a
dizer”, sem sua direção editorial se apegar a orientações emanadas de
“qualquer partido ou concepção sectária”. A RCB, prosseguia o editorial, não seria “tolhida por um nacionalismo sentimentalóide e
estreito”, sem com isso, advertia, se deixar cair em “esquemas geopolíticos” traçados pelos compassos do Departamento de Estado norte-americano e o Pentágono, ingerência externa tão bem recebida por
algumas figuras da vida nacional brasileira.
Apesar do momento difícil que nos assolava, e mais tormentoso se tornaria na sequência dos anos, mercê da crescente brutalidade contra os opositores, o editorial se mostrava otimista sobre os
rumos do país: “Há um mundo em movimento em torno de nós, o
futuro se nos afigura auspicioso e queremos participar desse estado
dinâmico e alcançar dias melhores para o Brasil e a humanidade”.
Logo a seguir, no mesmo número, um dossiê tratava das
condições e perspectivas da política brasileira, mostrando o quadro
de perplexidade em que estávamos todos mergulhados, cidadãos e
instituições nacionais. Um artigo de três colunas de Carlos Heitor
Cony, um dos intelectuais brasileiros mais ferozmente perseguidos
pelo regime, com o simples e extraordinariamente representativo
título “Anistia”, começava assim: “É preciso que a palavra cresça:
invada os muros e as consciências. Desde o dia 1º de abril que o
governo tem diante de si um dilema incontornável: ou processa e
condena regularmente os milhares de acusados em todo o país; ou
concede anistia” (grifo do Cony).
Os brasileiros das gerações mais novas hão de ter ouvido que
quase uma década e meia teríamos de esperar até que a anistia fosse
concedida, anistia, disse-o muito bem Cony no referido artigo,
reagindo às palavras de um notório fariseu (sic), Gustavo Corção,
que nada tinha a ver com perdão, pois “para que um pensamento
miúdo consiga penetrar na endurecida cabeça desse reacionário,
direi ao sr. Corção que anistia é invenção grega; perdão é invenção
cristã. O grego tornava a culpa inexistente. O cristão a anotava cuida334
1964 – As armas da política e a ilusão armada